Ao longo de todos os filmes do Batman que já foram feitos tem-se vindo a convencionar que têm que sempre cada vez mais negros. Por mais reboots que se façam – e Robert Pattinson é já o sexto actor a vestir a o capuz e a capa do Homem-Morcego -, parece haver uma regra tácita que diz que tem que ser sempre mais sombrio que o anterior. O que, depois deste The Batman, tudo leva a crer que um próximo reboot será tão negro quanto o Branca de Neve, do João César Monteiro. É certo que estamos a falar de um herói que se auto-intitula as trevas e as sombras, mas é preciso ser assim tão literal? Estamos todos a esquecer-nos que um dos Batman mais consensuais de todos é o do Adam West. Aposto que daqui a algum tempo alguém vai fazer um Batman divertido e bem-disposto e vai ficar tudo banzado com esse ovo de Colombo.
Eis então o novo Batman e, desta vez, o realizador Matt Reeves vai buscar inspiração à golden age da banda-desenhada. Quando surgiram, os quadradinhos eram uma variação das pulps e das histórias policiais que eram populares na altura, o que, por outras palavras, significa que bebiam directamente da conta do noir. The Batman é assim um filme mais próximo dessas historias de detectives do que dos filmes de super-heróis da Marvel ou da DC da actualidade. As referências mais imediatas vão assim para filmes como o Chinatown, por exemplo, com narrador e tudo.
Claro que este é depois um protagonista bem diferente dos de Raymond Chandler, por exemplo, se bem que é também, à sua maneira, um anti-herói. Batman, ou melhor, Bruce Wayne, é um órfão traumatizado por ter visto os seus pais serem assassinados à saída do cinema, quando era pequeno, e que por isso limpa as ruas de Gotham de tudo o que é criminoso. No entanto, Bruce Wayne também é um milionário, o que faz com que, ao vemo-lo na sua torre de marfim a limpar as lágrimas a maços de notas, não pareça mais do que um miúdo mimado. O Riddler (sem dizer quem é o actor que o interpreta que é para não entrar em spoilers, uma vez que, quando é revelado a sua identidade já perto do final, Matt Reeves tenta recriar o efeito de Kevin Spacey no Sete Pecados Mortais) há de lhe atirar isso à cara e Robbert Pattinson há de ir a correr chorar para o colo do Albert (Andy Serkis, demasiado novo para o papel do fiel mordomo).
Diz-se que Pattinson baseou-se em Kurt Cobain para construir o seu Batman – que também é uma espécie de recluso da sua própria fama. Por isso, ouvimos na banda-sonora os Nirvana. Apropriado ao tom do filme? Nem um bocadinho, mas não é por aí que The Batman sai a perder. O seu principal problema é o argumento, que para além de ter umas injustificadas três horas, é um misto de clichés e de momentos auto-explicativos, para que Matt Reeves tenha a certeza que nós percebemos o que se está a passar. O submundo do crime de Gotham está cheio de mafiosos e corrupção, que faz com que antigos presidentes da câmara, procuradores-gerais, traficantes de droga e gerentes de clubes nocturnos de reputação manhosos andem todos de mãos dadas de forma mais ou menos evidente. E a ligar tudo com cuspo estão os enigmas do Riddler, que são tão pouco imaginativos que quase nem fazem sentido. E la mala rata está para The Batman assim como a rábula do nome da mãe em comum está para Batman vs Super-Homem – O Despertar da Justiça.
Aposto que quem ainda não viu o filme e está a ler este texto, a esta altura pensa que The Batman é um desastre épico. Mas não é, há muita coisa interessante nesta nova roupagem de Matt Reeves, que consegue realmente uma nova abordagem ao Homem-Morcego nesta releitura noir-gótica. E a abordagem mais realista faz do Pinguim, do Riddler ou da Catwoman versões mais humanas do que as suas outras versões nos filmes anteriores, bem mais cartunescas. O Pinguim de Colin Farrell foi buscar o fato gordo do Al Capone de Tom Hardy, o Riddler é apenas um maluquinho das conspirações online com uma máscara de gimp e a Catwoman… bem, a Catwoman é a Zoe Kravitz num fato super-sexy de cabedal. E a Gotham de The Batman volta a ser ela própria uma personagem como tinha sido no Batman de Tim Burton, não tão gótica, mas extremamente sombria, sempre à chuva e sempre de noite. Afinal de contas, o Batman é as trevas, não é?
The Batman é um filme mais desequilibrado do que falhado, que precisava de passar mais um tempo a limar o argumento (demasiadas ideias, mas que parece nunca escolher as melhores para continuar). Levanta bem a problemática do vigilantismo, que é sempre algo que passa por entre os pingos da chuva nos filmes de super-heróis (e que é particularmente pertinente no caso do Batman, que é só um tipo mascarado que anda a bater nos mauzões (ou pelo menos nos que ele acha que são mauzões)), mas já se espalha ao comprido quando Zoe Kravitz puxa o assunto dos brancos privilegiados que continuam a controlar Gotham (e que, por isso, parece ser mais um diálogo de encomenda do que outra coisa). Bruce Wayne é o enésimo branco privilegiado, que resolve os problemas atirando dinheiro para cima e que corre para o colo de Alfred sempre que algo corre mal, mas ainda ninguém reflectiu sobre isso. Talvez se tivessem dado mais tempo de antena ao Riddler. Mas The Batman termina em autêntico anti-climax, sem sequer um confronto final entre o mocinho e o bandido, revelando um filme de super-heróis bufão. E Robert Pattinson enquanto Homem-Morcego, perguntam vocês? Nada mau, por acaso. Também não é por aí que se chega ao Happy Meal.
Título: The Batman
Realizador: Matt Reeves
Ano: 2022