O plano subjectivo, aquele que permite ao público vivenciar a acção como se fosse vista directamente através dos olhos de um personagem, não é uma novidade nem um fenómeno propriamente recente no cinema. A diferença é que hoje se convencionou utilizar o nome em inglês, mais pomposo – point of view -, ou as iniciais POV. E, claro, fez-se recentemente o primeiro filme inteiramente filmado desta forma (olá Hardcore). No entanto, quando se fala de planos subjectivos continua-se a esquecer um dos títulos mais importantes do género: Os Olhos de Laura Mars.
Laura Mars (Faye Dunaway) é então fotógrafa profissional, cujo corpo de trabalho é formado essencialmente pelos temas da violência, da morte e do sexo. Em suma, uma referência mais ou menos directa a Chris Von Wangenheim. Laura Mars é então uma celebridade, amada pelos que consideram o seu trabalho pioneiro e incrível, e odiada pelos que a consideram uma aproveitadora sensacionalista e gratuita. Numa altura em que a fotografia tinha começado recentemente a entrar nas galerias de arte, essa discussão ganhava redobrada importância.
Ao mesmo tempo, Laura Mars começa a ter uns flashes macabros. É que, por breves instantes, a fotógrafa consegue ver através dos olhos de um serial killer que anda a matar os seus amigos mais próximos com um picador de gelo. Como se isso não fosse já perturbador o suficiente, Laura Mars ainda vai ser confrontada pelo detective encarregue do caso (Tommy Lee Jones) com uma série de fotos antigas de crimes, que são cópias exactas de trabalhos seus posteriores.
Os Olhos de Laura Mars é então o melhor giallo de sempre feito fora de Itália (com Faye Dunaway em modo de scream queen e tudo), que tanto abre as portas ao body horror, como flirta demoradamente com o suspense. O argumento é uma história original de John Carpenter, que foi o seu primeiro filme a ser feito em Hollywood, se bem que consta que o resultado final acabou por ser bem diferente do original. É que o filme de Irvin Kershner revela a identidade do assassino a léguas e, bem, pode não ser importante, mas às tantas as visões paranormais de Laura Mars através dos olhos do assassino deixam de ser tema e o filme passa só a ser um policial do gato e do rato. Essa parte nunca é explicada e nem era necessário, mas não deixa de ser frustrante.
A verdade é que a premissa é bem mais interessante que o resultado final. Há ali muito tema nas entrelinhas que nos vai alimentando durante muito tempo – pode a morte ser um tema artístico?, existem limites à arte?, a glorificação da violência normaliza-a?… – e até uma metáfora extremamente interessante sobre a fotógrafa da violência que vê através dos olhos do assassino (todo um novo nível de leitura de A Vítima do Medo), mas essa reflexão termina antes do filme. Isso faz com que o acto final seja apenas limitado ao prazer de ver um policial com polícias a tentar apanhar o bandido. E também não há mal nenhum nisso. Este McBacon é que deveria ser mais vezes recordado.
Título: Eyes of Laura Mars
Realizador: Irvin Kershner
Ano: 1978