| CRÍTICAS | Pinóquio (2022)

Vamos fazer um esforço e partir do pressuposto que a obsessão da Disney em refazer todos os seus clássicos em imagem real era uma boa ideia e não apenas uma tentativa fácil de capitalizar fórmulas de sucesso fácil. Mesmo que isso fosse verdade, chamar a este novo Pinóquio de filme de imagem real é muito boa vontade (já o era em O Rei Leão também, por exemplo). É que tirando o Tom Hanks e mais um ou outro secundário, tudo em Pinóquio é fabricado. A diferença é que os desenhos-animados originais, de 1940, eram feitos à mão, em animação tradicional e este novo é todo digital.

A diferença começa logo aí. Enquanto que o Pinóquio de 1940 era todo ele vitalidade e energia, com aquele boneco de pau que queria ser um menino real, neste novo Pinóquio as personagens parecem esvaziadas de qualquer pingo de vida. Como se, na passagem da animação tradicional para o digital, tivesse vindo um vampiro que lhes sugou toda a vontade de viver. É certo que não são aquelas personagens de olhar vidrado, como se tivessem mortos por dentro (ou se fossem o Mark Zuckerber) do Polar Express, outro filme do Robert Zemeckis, mas olhamos para este Grilo Falante, com a voz do Joseph Fordon-Levitt, e percebemos isso. E Figaro, o gato que era uma das personagens favoritas do próprio Walt Disney e que até se autonomizou, aqui é só um extra porque… é um gato e estar-se a falsificar um gato soa duplamente falso.

E depois há Tom Hanks, que depois de Elvis parece ter tomado o gosto às próteses, ao artifício e a fazer vozes. O seu Gepeto é tão aborrecido, que não conseguimos sentir empatia nenhuma pela personagem. Mesmo que, desta vez, Zemeckis tenha sentido necessidade de explicitar muito bem explicadinho de que Gepeto, em tempos, tinha tido um filho (e uma esposa). E, portanto, daí a sua fixação em construir aquele menino de pau.

Esse é o segundo pecado capital de Pinóquio. Por um lado, Zemeckis procurou criar uma narrativa para unir as várias histórias do Pinóquio original, que era de natureza mais episodical (de lembrar que o livro original, onde Walt Disney foi buscar a sua inspiração, é uma colecção de várias pequenas narrativas, que no final constroem a história maior), e assim eliminar aquele deus ex machina terrível de Pinóquio, que é a gaivota que, do nada, vem anunciar que Gepeto foi engolido por uma baleia(!). No entanto, cai na tentação de sobrexplicar tudo em demasia, como que partindo do pressuposto que o espectador é demasiado limitado para perceber a mensagem moral do filme. Mas afinal quão espertos temos que ser para perceber que stay in school and don’t do drugs? É quase como se todos nós não passássemos os primeiros 18 anos da nossa vida a ouvir isso todos os dias.

Além disso, há uma espécie de “inocentização” do Pinóquio, como que a fazer dele uma vítima das circunstâncias. Aqui nunca é ele que decide trocar a escola pelo circo do Stromboli ou ir para o paraíso hedonista de Pleasure Island, é antes um conjunto de acasos infelizes. O que é completamente o oposto da mensagem do filme. É que, para que o nariz não cresça, para não se transformar em burro e para se transformar em menino de carne e isso, Pinóquio tem que se arrepender. E para haver arrependimento, tem que haver pecado. Tudo isso está arredado do novo Pinóquio. Até se compreende a necessidade de actualizar as “ameaças” da Pleasure Island, trocando o tabaco e a cerveja, pela alienação dos telemóveis e root beer. Mas com isso perde-se também a atmosfera de perigo real que havia aí.

Este novo Pinóquio tem ainda algumas coisas novas, como um interesse romântico para Pinóquio – uma marioneta bailarina, manipulada por uma menina com uma perna deficiente, à Forrest Gump (voz de Jaquita Ta’le). É uma decisão completamente inconsequente, que também não acrescenta nada de novo ao filme. É certo que é um exercício injusto ver um filme em constante comparação com o material original, mas tendo em conta que estamos a falar de um dos filmes da Disney que andou a moldar o cânone, é inevitável não o fazer. Por isso, quando o Grilo Falante canta o When You Wish Upon a Star, só nos apetece desejar que a Disney pare de refazer os filmes antigos. É que depois deste Happy Meal não sei se consigo aguentar mais algum.

Título: Pinocchio
Realizador: Robert Zemeckis
Ano: 2022

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