| CRÍTICAS | Três Mil Anos de Desejo

Anda a Disney obcecada em refazer em imagem real todos os seus clássicos passados, numa tentativa autofágica de capitalizar fórmulas vencedoras, e vem George Miller – esse realizador bissexto, que só tem na carreira os Mad Max e o porquinho Babe – e atira-nos uma variação do Aladino, que redime por completo qualquer história do génio e dos três desejos. Três Mil Anos de Desejo chuta para longe a recente versão em imagem real do Aladdin e faz a Disney envergonhar-se. Sim Disney, é mesmo para se sentirem envergonhados.

Três Mil Anos de Desejo é então uma fábula sobre uma mulher, Alithea (Tilda Swinton) – e a escolha do nome, que pede emprestado o da deusa grega da Verdade -, uma especialista em histórias (narratologista, como ela se auto-intitula) genial e solitária, que numa viagem à Turquia compra uma estranha garrafa de vidro na cave de uma loja no Grande Bazar. Quando a lava no lavatório solta um génio (Idris Elba) aprisionado há centenas de anos, que por gratidão lhe concede três desejos. Mas Swinton, por defeito profissional, sabe que as histórias com génios costumam acabar mal, já que são normalmente avisos, e por isso vai dar uma de overthinking sobre o assunto.

Três Mil Anos de Desejo recua à tradição milenar da transmissão oral de histórias, mitos e tradições, se bem que as narrativas narradas pelo génio ou pela própria Tilda Swinton são sempre ilustradas pelo CGI e pelo estilo faustoso de George Miller. Contudo, a imagem está sempre às ordens da palavra e não é por acaso, mais uma vez (até porque aqui nunca nada é por acaso), que a maioria do filme se passe no Médio Oriente, terra das 1001 Noites, e que a companhia aérea onde Swinton viaja se chame Shahrazad Airlines.

O génio começa então por recuar vários milénios atrás no tempo e vai contando histórias, que desfila como um novelo, começando pela bela Rainha do Sabá e o seu pretendente, o príncipe Salomão. Apesar da base histórica, desta e das outras narrativas, George Miller não coloca limitações à sua liberdade criativa, até porque dá ares de quem esteve a ver toda a filmografia inicial de Spike Jonze e Charlie Kaufman e, claro, há aqui muito realismo mágico. Basta ver aquele momento inesquecível, em que o rei Salomão tenta cortejar a Rainha do Sabá com música, tocando uma guitarra com vários braços e mãos que se mexem sozinhas e uma cadeira que assobia e bate nos tambores a marcar o ritmo, como um verdadeiro one-man band.

É um filme arrebatador visualmente, que nunca se aproxima da extravanganza do último Mad Max – A Estrada da Morte, mas que não tem problemas de ir até ao grotesco. A cena do harém do último sultão otomano, com um fetiche por corpos de grandes dimensões, lembra inclusive Taxidermia, se bem que mais elegante. É que, no final, Três Mil Anos de Desejo acaba por ser uma reflexão sobre o amor e sobre este enquanto destino das nossas vidas. Não são todos os filmes sobre histórias de amor? Ou, pelo menos, os melhores…

Três Mil Anos de Desejo é, por isso, um filme que agrada a vários públicos, na sua multiplicidade de temas e abordagens. É a derradeira história de amor, que apela a todos os casais no Dia dos Namorados (ou fãs de WongKar-Wai); é uma fantasia quase surreal, para os fãs do realismo mágico; e é uma narrativa histórica, com as devidas liberdades criativas, para quem sabe bem o poder da palavra falada. George Miller prova que a sua carreira esquizofrénica não é um acaso e assina um dos Le Big Macs do ano.

Título: Three Thousand Years of Longing
Realizador: George Miller
Ano: 2022

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