A geração millennial começou finalmente a fazer os seus próprios filmes, nomeadamente filmes de liceu, que são aqueles que melhor representam o estado da juventude ocidental (ou, pelo menos, de modelo anglo-saxónico). E encontraram na Netflix uma das plataformas mais favoráveis para o fazerem. Depois de Booksmart – Inteligentes e Rebeldes, que é capaz de ser um filme fundador do teen movie dos millennials, eis Justiceiras, que tem a particularidade de ser o primeiro filme da realizadora Jennifer Kaytin Robinson desde que ganhou uma dose de sobrevisibilidade ao co-escrever Thor – Amor e Trovão.
As dinâmicas nos liceus de hoje não são diferentes das de que eram nos anos 80, 90 ou nos zeros. Há os populares e há os impopulares na mesma, os primeiros azucrinam a cabeça aos segundos que procuram formas de subir na escada social, mas existe agora uma maior consciência de classe. Aliás, existe uma maior consciência de tudo, tornando a geração Y mais sensível para questões de bullying ou discriminação. O que não quer dizer que isso não exista na mesma. Além disso, há toda a dimensão virtual que a internet confere, aumentando a visibilidade de toda a gente a doses de cavalo, com tudo o que isso acarreta. Os boomers olham para esta geração, que tem uma maior noção da importância da representatividade e do combate à heteronormatividade ou ao patriarcado, e com medo da mudança apelidam-os de woke, como se isso fosse um insulto.
Outra das particularidades de Justiceiras é uma certa costela de cinéfilia, ou não fosse esta a geração movida a nostalgia. Justiceiras pode ser uma versão actualizada e adolescente de O Desconhecido do Norte Expresso, mas a referência vai à fonte e a personagem de Maya Hawke aparece antes a ler o livro original, da Patricia Highsmith. E, claro, há toda uma panóplia de referências a clássicos teen movies, de As Meninas de Beverly Hills a Estranhas Ligações. Mas é Heathers, pelo tema da vingança, a grande influência que nos vem primeiro à memória.
Drea (Camila Mendes), uma das miúdas populares do liceu, e Eleanor (Maya Hawke), que acaba de se mudar para a escola, vão unir forças para se vingarem dos seus “inimigos”. A ideia é simples e o plano aparentemente perfeito: como ninguém sabe que as duas se conhecem, a primeira vai vingar-se da antiga paixão da segunda que a acusou de assédio sexual há muitos anos atrás, e a segunda vai vingar-se do ex-namorado da primeira, que leakou uma sextape dela. Assim, ninguém vai desconfiar, porque não há qualquer fio que as conecte a essa vítimas.
Seguindo então os códigos do thriller, Jennifer Kaytin Robinson monta então uma história de vingança que usa e abusa dos significados de poder que controla a hierarquia de qualquer liceu norte-americano. Como é tradicional neste género, os jovens movimentam-se à vontade, sem a supervisão ou o controle de qualquer adulto, sofrendo assim os efeitos e as consequências das suas próprias acções. A excepção é a directora da escola, que vai surgindo ocasionalmente como uma espécie de âncora norteadora, e que é interpretada por Sarah Michelle Gellar, numa ideia de casting que não é inocente. Afinal de contas, foi ela a protagonista de Estranhas Ligações, outro teen movie fundamental para Justiceiras.
Ou seja, Justiceiras sabe perfeitamente o que quer e o que deve fazer. No entanto, a distância entre o querer e o fazer é sempre maior do que pensamos e é nestes momentos que ela se revela. Justiceiras acaba por sofrer de um dos mesmos males de Thor – Amor e Trovão: o acumular de ideias, que tornam o filme cada vez mais pesado, já que nunca encontra o tom certo. Jennifer Kaytin Robinson tenta mante-lo leve, com humor, mas nunca tem graça, procura criar uma jukebox que seja um espelho dos tempos (das Le Tigre à Rosalía), mas sem eficiência e, de tanto pressionar a embraiagem, deixa o motor afogar-se. E nós ficamos a estrebuchar por entre tantas referências, ideias e sugestões, quase sem conseguir comer o Happy Meal em paz.
Título: Do Revenge
Realizador: Jennifer Kaytin Robinson
Ano: 2022