Entramos em Athena como se entrássemos num carro em andamento a alta velocidade. Ainda Abdel (Dali Benssalah) mal acabou de falar numa conferência de imprensa pública a propósito da morte do seu irmão mais novo em mais um episódio de violência policial – e onde apelou à calma e à paz – e já o seu outro irmão, Karim (Sami Slimane), rebentou um cocktail molotov. De repente, instala-se o caos e, num plano sequência de mais de 10 minutos, participamos naquele assalto à esquadra da polícia. Esqueçam o travelling inicial de Os Olhos da Serpente. Isto é Os Filhos do Homem, mas ainda em mais longo.
Athena, produção Netflix assinada pelo filho de Costa-Gavras, Romain Gavras, que esteve na competição oficial de Veneza, é o realismo social francês transformado em cinema de acção. Os planos-sequência são virtuosos e estendem-se para lá daquilo que parecia ser necessário, ajudando a criar um ritmo imparável e a atirar-nos para o meio daquela confuso toda. Para o final, começamos a ganhar algum cansaço perante o truque, mas até lá lembramo-nos do ritmo alucinante de outro filme de acção que nada tinha a ver com as convenções do action movie de Hollywood: o The Raid.
É que Athena é mais do que um simples gimmick, é uma tragédia grega moderna. O facto de se passar (e de se chamar) num bairro social chamado Athena, a deusa grega da justiça, da civilização e da batalha, não é mera coincidência. Olhemos para a história em pormenor: houve então um caso de violência policial que resultou na morte de um jovem do bairro e que ficou registada em vídeo. Os seus três irmãos vão reagir de forma bem diferente. Abdel, que abre o filme a pedir contenção e calma às pessoas, é o moderado, aquele que procura fazer a ponte entre os revoltados e a polícia; Karim, o mais novo, é o revoltado, que está cansado de dar a outra face e, por isso, organiza o motim que assalta a esquadra local, rouba as armas e se barrica no interior de Athena, confrontando a polícia: ou entregam os agentes que mataram o irmão ou a violência vai continuar a escalar; finalmente, Moktar (Ouassini Embarek), o mais velho, é o egoísta, que aparentemente está mais interessado em proteger o seu negócio ilegal de droga do que tomar uma posição.
São todos os temas tradicionais da tragédia grega projectados na sociedade contemporânea francesa das margens, da mesma forma que Ladj Ly já tinha feito em Os Miseráveis (e, nem por acaso, Ly é um dos argumentistas de Athena): a vingança, a família e o tumulto social, tudo isso em redor de heróis imperfeitos, que podem ser moralmente justos, mas que não deixam de apresentar as suas falhas. E aqui estas vão assumir repercussões sérias. A única diferença para com a tragédia clássica é que Romain Gavras troca o coro pela música épica e grave, de quem andou a ver em demasia os filmes do Cristopher Nolan. Athena é o filme de acção de 2022 e, por isso, merece o McRoyal Deluxe por inteiro.
Título: Athena
Realizador: Romain Gavras
Ano: 2022