É curioso ver agora, com a devida distância temporal, como Gothika envelheceu tão mal e tão depressa num curto período de tempo. Quando foi feito, em 2003, tinha tudo para ser uma bomba de bilheteira. Primeiro, porque era o primeiro filme americano de Mathieu Kassovitz, o francês que, depois de se revelar ao mundo com esse duríssimo O Ódio, vinha do sucesso desse belo policial que é Os Crimes dos Rios de Púrpura. E depois porque o elenco tinha duas actrizes então bem colocadas no star system, a oscarizada Halle Berry e Penélope Cruz, que ainda se pensava que poderia conseguir ter nos Estados Unidos o mesmo sucesso que em Espanha. Curioso como o outro nome envolvido nisto – e que, hoje, é o único que se mantém no topo – vinha de um movimento posicionalmente inverso: Robert Downey Jr. tinha acabado de sair da prisão (e da reabilitação) e eram poucos os que acreditavam que ainda conseguisse cumprir a carreira promissora dos anos 90.
Gothika é então um thriller sobrenatural que procurava aproveitar o boom do género na viragem do século, alimentado pelo cinema oriental que começava a fazer escola. Halle Berry é uma respeitada psiquiatra que trabalha na mesma prisão-psiquiatria feminina onde o marido é o médico-chefe – e onde está internada Penélope Cruz, uma jovem que assassinou o padrasto após constantes abusos sexuais. Fiel ao pensamento científico, Halle Berry toma as afirmações de Chloe de que costuma ser possuída pelo Diabo como uma forma de repressão instintiva, afogando-a em calmantes e anti-depressivos. No entanto, quando Miranda começa a ver o fantasma de uma menina que a leva a matar o próprio marido à machadada, vê-se ela própria transportada para o outro lado do espelho. E todo o racinalismo deixa de fazer muito sentido.
Gothika é uma espécie de rip-off mal feito de O Sexto Sentido, uma história de fantasmas mal explicada, onde o espírito de uma moça assassinada vem pedir ajuda. No entanto, para quem pede ajuda, este fantasma é bastante violento, porque não perde uma oportunidade para assustar a pobre Halle Berry, esfaqueá-la(!) ou espanca-la violentamente. Se alguém me pedisse ajuda e depois me cortásse no antebraço as palavras “not alone”, eu mandava-o era ir pedir ajuda à Carochinha.
Filme de suspense-terror com ênfase na primeira parcela da equação, Gothika orienta-se segundo várias jump-scenes: cenas onde a banda-sonora vai crescendo e que nós sabemos claramente o que vai acontecer, mas nem por isso deixamo-nos de assustar. Além disso, visita também o actual cliché do fantasma da menina com os cabelos escorridos para a frente dos olhos, visto pela primeira vez em The Ring – O Aviso e repetido até à exaustão mil e uma vezes depois. Previsível e pouco imaginativo, Gothika fica-se a uma premissa ligeiramente interessante, porque de resto limita-se ao entretenimento pipoqueiro. Mas nem nisto é bom, porque esta mania de se fazer filmes de terror para a toda a família é um paradoxo tramado. É que assim temos um filme de terror sem uma única pinga de hemoglobina derramada e uma sequência com 100 mulheres a tomar duche e onde não se vê qualquer pele. Filme inofensivo e para se ver com o cérebro desligado, Gothika é um Happy Meal para se comer e nos esquecermos rapidamente.
Título: Gothika
Realizador: Mathieu Kassovitz
Ano: 2003