Rebecca Hall parece ter construído uma vida saudável a todos os níveis – mental e fisicamente, pessoal e profissionalmente. Mãe solteira, mantém uma relação funcional com a filha (Grace Kaufman), que se prepara para ir para a universidade em breve (ou, pelo menos, tão funcional quanto pode ser a relação entre mãe e filha adolescente), tem um emprego numa multinacional qualquer, em que está sempre metida em apresentações com PowerPoints e muitos números, pratica desporto regularmente, vive num apartamento generoso, no centro de uma grande cidade e tem uma relação casual com um homem casado, que funciona muito bem (pelo menos para o seu lado). Tudo está bem, até que… Tim Roth.
Numa conferência aleatória a que assiste, Rebecca Hall vê Tim Roth na audiência e perde imediatamente o controlo. Começa a hiperventilar, corre desalmadamente para o mais longe possível e torna-se tão super-protectora da filha que se torna asfixiante. Afinal, havia ali algum trauma muito bem reprimido, atafulhado debaixo de camadas e camadas de negação, que Tim Roth veio desvelar só com a sua presença. E tudo há ainda de piorar ainda mais, quando ele continua a aparecer aleatoriamente em locais avulso: numa loja de roupa, num parque…
Agora que pensamos bem nisso – e olham em retrospectiva -, existiam vários sinais no comportamento de Rebecca Hall que já denunciavam esse trauma recalcado. Mas isso, mais do que a nossa desatenção, é sinal do bom trabalho do realizador Andrew Semans: uma marca breve nas costas, uns conselhos mais extremistas a uma estagiária sobre os homens…. Semans faz isso com uma realização muito sóbria e estilizada, de quem a andou a consumir doses industriais de David Fincher concentrado.
E depois começa a destapar lentamente o véu. À medida que sabemos cada vez mais do passado perturbador de Rebecca Hall e Tim Roth (sim, há um passado em comum e ele é digno de um filme de terror, que fica concentrado num longo monólogo de câmara fixa na cara da própria Rebecca Hall, que é tão enervante quando o de Pearl), esta vai caindo cada vez mais fundo num poço de desorientação e fragilidade emocional. Até que desemboca tudo num final que há de afastar tanta gene, quanto aproximar tantos outros. É como se Andrew Semans estivesse a aguentar o filme todo para esta explosão final, com tanto de irrisão quanto de sanguinolento. É como se todo o racionalismo de Resurrection até então necessitasse desse momento de escape para extraviar todo o trauma recalcado. Não será um McBacon que aguardará a toda a gente, mas que ficará marcado na memória, lá isso ficará.
Título: Resurrection
Realizador: Andrew Semans
Ano: 2022