A comida e o momento da refeição sempre teve um papel muito importante no cinema, seja enquanto símbolo de posição social (de Buñuel a Abdellatif Kechiche) ou das dinâmicas do núcleo familiar (Spielberg sempre adorou estes momentos), seja enquanto ferramenta narrativa, normalmente como elemento de conflito ou de drama. No entanto, com o peso brutal que a comida tem ganho na indústria do entretenimento actual (especialmente em reality shows tipo MasterChef e afins), era apenas uma questão de tempo até começarem a surgir os filmes com a comida como tema principal.
No entanto, O Menu é um filme que combina essas duas perspectivas. Por um lado, é um filme que utiliza um jantar num conceituado restaurante de haste cuisine (os entendidos dizem que há ali muitas referências ao Nome, por exemplo) como leitmotiv; mas, por outro lado, é um filme que utiliza também a comida e a culinária para passar a sua mensagem, seja para criticar directamente os foodies e todo essa abordagem burguesa da comida (afinal de contas, quem é que consegue pagar um jantar no Noma?), seja para dar a sua perspectiva de classe.
O Menu segue ainda outra tendência muito recente do cinema ocidental: a crítica social feroz aos 1 por cento, ou seja, às elites deste mundo e a todo o universo de fascínio obsessivo e doentio que é gerado à sua volta. Ruben Östlund e o seu Triângulo da Tristeza tem sido o exemplo principal, mas vimos também recentemente o novo Glass Onion – Um Mistério Knives Out a utilizar o whodunnit para gritar a plenos pulmões: eat the rich! O Menu é apenas o mais recente exemplo a faze-lo.
Tudo isto já remetia inevitavelmente para O Anjo Exterminador, mas há mais. Quando 12 convidados especiais (como os 12 apóstolos na última ceia…) se juntam numa ilha-restaurante para um menu de degustação do super-cozinheiro Ralph Fiennes e acabam por se verem enfiados numa experiência… imersiva (sempre que alguém utiliza esta palavra, morre uma foca no mundo) e perturbadora, o fantasma dessa obra-prima de Buñuel passa a pairar sobre o filme. E A Grande Farra é a outra referência mais ou menos óbvia.
O problema de O Menu é que Mark Mylod (quem?) não é nem Luis Buñuel nem Marco Ferreri. Basta ver como aquelas personagens são todas arquétipos, tão formatados, que não têm vida própria e apenas agem em função do estereótipo que têm que desempenhar. Há o foodie obcecado com a experiência gastronómica, há o ricaço, há o actor a viver da fama e prestígio, há os empreendedores a viverem da exploração do trabalho alheio… mas a única personagem é a de Anya Taylor-Joy, que é o pauzinho que vai ser colocado naquela engrenagem e que vai lixar o seu funcionamento todo.
O Menu também quer ser muito inteligente e profundo, mas todas as suas metáforas são tão óbvias e chapa-quatro que se limita a ser previsível e até presunçoso. Que coragem de Mark Mylod em colocar no filme um actor que é castigado por ter feito um mau filme(!). Será que ele não teme agora pela sua própria vida também? Mas o pior de tudo é mesmo o final, em que tudo se resolve com um cheeseburger… Que metáfora incrível, como é que ninguém nunca tinha pensado nisso. Nem sequer conheço um site que dá hambúrgueres em vez de estrelas para pontuar os filmes nem nada… hambúrgueres e Happy Meals.
Título: The Menu
Realizador: Mark Mylod
Ano: 2022