Depois de ter andado pela Europa, quer em França (olá Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun) quer pela Mitteleuropa (olá Grand Budapest Hotel), Wes Anderson – que, na realidade, é um autor muito mais europeu do que americano – regressou aos Estados Unidos. E logo para brincar com um género cinematográfico 100 por cento norte-americano: o western (mas não necessariamente o filme de cáubois). E não só. Asteroid City remexe também numa certa tradição do cinema do período áureo de Hollywood, mais ou menos como fazia Babylon, mas à maneira muito própria de Wes Anderson, claro.
Em Asteroid City, Wes Anderson volta a criar um pequeno universo próprio, tão assumidamente falso quanto artesanal. Asteroid City, pequena povoação no deserto norte-americano com 80 e poucos habitantes e uma cratera onde em tempos caiu um meteoro (e que é tão genérica que representa todas as localidades do género nos Estados Unidos), parece o cenário de um episódio dos Looney Tunes – e até há um Bip Bip que aparece regularmente, que funciona como gag visual e piscadela de olho referencial. Além disso, vai também beber directamente a um universo retro-sci-fi, em que Wes Anderson nunca lembrou tanto Jared Hess circa As Crónicas de Bronco (outro autor de humor seco, sequíssimo, que também cria universos próprios igualmente herméticos).
Aliás, Wes Anderson já não era tão cartunesco desde Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial, em que as personagens seguiam aquela regra dos desenhos animados de usarem sempre a mesma roupa. Aqui há um outro gag recorrente, que tem o mesmo efeito – uma perseguição automóvel, com a polícia atrás de um carro em fuga, com tiroteio incluído, que passa a alta velocidade na estrada que atravessa a localidade de forma regular.
Não se pode dizer que haja em Asteroid City alho de novo no cinema de Wes Anderson. Até o elenco, novamente esticado com um rol de estrelas impressionante (Jason Schwartzman e Scarlett Johansson serão o que mais perto poderemos chamar de protagonistas), inclui uma série de habituais. Falta Bill Murray, cuja covid o obrigou a faltar pela primeira vez desde Roda Livre um filme de Wes Anderson. Mas há Seu Jorge outra vez, por exemplo. E há mais uma banda-sonora kitsch e vintage, cheia de pérolas perdidas. Prova capital: Sixteen Toons, de Tennessee Ernie Ford, em tempos transformado num samba em português, por Noriel Vilela. E, no entanto, Asteroid City é o mais refrescante (leia-se o melhor) filme de Wes Anderson desde Moonrise Kingdom.
Em Asteroid City volta a haver uma espécie de factor lúdico, que em Grand Budapest Hotel ou Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun parecia ficar atafulhado sobre todo o edifício que o realizador construía. Talvez contribui para isso a história simples. Asteroid City volta a ser uma colecção de vinhetas de diferentes personagens, tão absurdas quanto bizarras, que se cruzam durante um fim-de-semana de festas em Asteroid City, celebrando o dia da queda do meteoro e especialmente dirigidas aos entusiastas espaciais.
Mas isto é só aparente, porque por trás desta fachada escondem-se duas histórias mais sérias do que parecem. É a de Scarlett Johansson, uma proto-Marilyn-Monroe fatalista e trágica, e a de Jason Schwartzman, recém-viúvo e repórter de guerra em início de crise existencial. A história de ambos funciona também como reflexão sobre o cinema e a própria história de Hollywood, até porque a estrutura de Asteroid City é ensaiada como um filme dentro do filme. E isso é não só o melhor de Asteroid City, mas também o que justifica em grande parte o McRoyal Deluxe. Isso e o dar-se ao luxo e chamar Jeff Goldblum para fazer de extraterrestre, na cena mais irónica do filme.
Título: Asteroid City
Realizador: Wes Anderson
Ano: 2023