| CRÍTICAS | Breve Encontro

Em Novembro de 1945, a Segunda Guerra Mundial tinha acabado há dois meses. Passavam três meses desde os bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasaqui, o Reino Unido recuperava de quase meio milhão de mortos e a Europa tentava juntar os cacos. À conta de todos os homens mortos e estropiados, as mulheres de classe média viam-se agora numa posição de sujeitos sociais com aspirações, ambições e desejo sexual. É neste contexto que a vida de Laura Jesson (Celia Johnson) rui.

Laura tem uma boa vida. Tem um casamento feliz, um mundo composto por uma casa e dois filhos e isso chega-lhe perfeitamente. Ou chegava, até há um par semanas, altura em que se apaixonou, uma violência que nunca calculou poder acontecer a uma mulher comum.

Quando Breve Encontro começa, apanhamos já Laura e um tal de Dr. Alec Harvey (Trevor Howard) numa conversa resignada e triste num bar de estação de comboio. Alec vai-se embora e percebemos que isso é o mundo a descambar para Laura. No entanto, ela apanha o comboio e vai para casa ter com seu marido. O seu marido, Fred (Cyril Raymond), é atencioso, carinhoso e vive confortável e sem preocupações. É a única pessoa em quem Laura pode confiar e também a única a quem ela não pode dizer nada. O filme passa então a contar a história de como Laura e Alec se apaixonaram depois de um breve e insignificante encontro e de como se encontravam todas as quintas-feiras.

A história de Breve Encontro pode não parecer revolucionária, mas fazer um filme em 1945 sobre uma mulher que tem, na sua cabeça, a guerra entre a sua vontade e aquilo que se espera dela era… revolucionário. David Lean (Lawrence da Arábia, Doutor Jivago, A Ponte do Rio Kwai, Grandes Esperanças) conta a história como se de um film noir se tratasse, mas em vez de mulheres fatais, detectives durões mas atarantados e homicídios, temos uma mulher que quer viver uma vida diferente da que lhe foi dada. 

A simplicidade dos cenários contrasta com um jogo de luzes que acompanha os estados de espírito das personagens (coisa que, curiosamente, se fazia com muito mais competência a preto e branco do que agora a cores) e a montanha russa que os leva dos altos alucinados das fantasias de uma vida que sabem que nunca será real e os baixos desesperados de quem se tenta convencer de que terá de desperdiçar a única vida de que dispõe com uma pessoa que não ama.

O filme ganha na escolha dos actores. Não só pela sua competência (Celia Johnson é irrepreensível), mas também pelo seu aspecto. Parecendo que não, ajuda quando um filme não é povoado por gente recrutada numa agência de modelos. O Guardian diz que é o melhor filme romântico de sempre. Não sei se será e também não sei bem o que se qualificará como filme romântico. Mas a verdade é que a forma como tudo funciona neste filme (a narrativa, o comboio sempre a horas como metáfora de uma sociedade cuja moral não contempla cá caprichos, a banda sonora opressora de Rachmaninoff) faz dele uma peça imperdível, ainda que talvez um pouco esquecida por estes dias.

*texto por Diogo Augusto

Título: Brief Encounter
Realizador: David Lean
Ano: 1945

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