| CRÍTICAS | The Darjeeling Limited

A vida imita a arte ou é a arte que imita a vida? Esta é uma discussão interminável, mas que, de vez em quando, encontra algumas respostas pontuais. Em The Darjeeling Limited, de Wes Anderson, a vida imitava claramente a arte. Depois de passar o filme todo com a cara toda enfaixada, como uma versão mais hardcore do Jack Nicholson no Chinatown, Owen Wilson enchia as parangonas com uma tentava mal-sucedida de suicídio. Por isso, ainda hoje, quando vemos o filme 15 anos depois, esse episódio não deixa de ressoar como um eco da vida a infiltrar-se na ficção.

O Darjeeling Limited é o comboio indiano que Owen Wilson vai apanhar com os seus manos, Adrian Brody e Jason Schwartzman, para uma viagem tão física quanto espiritual, que servirá para reencontrarem a mãe (reclusa há alguns anos num convento indiano) e reconectarem-se enquanto irmãos. E, tal como o Grand Budapest Hotel de alguns filmes depois, também o Darjeeling Limited não existem. É uma espécie de amálgama de vários comboios (o Expresso Oriente, claro, mas praticamente toda uma ideia antiga de comboio, que entretanto é cada vez mais passado), condensados tanto literal, quanto simbolicamente.

Wes Anderson diverte-se no interior daquelas carruagens minúsculas, construindo o seu próprio micro-universo, que filma com o seu formalismo de marca, aquele pitoresco nostálgico de um tempo que não vivemos (e que já criou ele próprio um estilo, com livros editados e tudo) e quase como se cada carruagem fosse um diorama artesanal. E se nos seus filmes mais recentes Anderson tem vindo a brincar com o teatro, neste período inicial era a banda-desenhada que se infiltrava no seu dispositivo fílmico. Por um lado, as personagens que utilizam sempre a mesma roupa – e que era a imagem de marca de Os Tenembaums – Uma Comédia Genial; e, por outro, pequena sinais, como aquele velhote (Kumar Pallana, que era um dos seus habitués) que, durante a viagem de comboio, está sempre presente lá atrás, como se fizesse parte da miss en scene.

Por isso, a parte em que os três irmãos vão no comboio é a melhor. Depois, o filme não se aguenta no interior daquele espaço confinado e tem que sair, até mesmo para respirar, porque a relação entre os três está a ficar claustrofóbica. E é já aqui, num dos flashbacks que ajudam a contextualizar um pouco o presente daqueles três irmãos, que Wes Anderson volta a mostrar mais um sinal subtil da sua cinefilia. Quando Wilson, Brody e Schwartzman vão buscar o carro do pai à oficina, no dia da sua morte, o mecânico é Barbet Schroeder.

Antes do cinema de Wes Anderson ter-se tornado num monstro tão grande que acaba por consumir em grande parte os seus próprios filmes, os seus trabalhos eram assim, pequenas histórias aparentemente inocentes, mas que iam muitas vezes até ao osso para expurgar os fantasmas mais enterrados. Por isso, quando aparece a mãe – e que é, inesperadamente, Anjelica Huston -, já o road movie interior de The Darjeeling Limited vai longo. Falta-lhe só a redenção, mas que não se vai dar aqui, como seria de esperar, mas um pouco mais além, ao longo do rio.

Claro que não se pode falar de um filme de Wes Anderson sem se falar da música. Como de costume, a banda-sonora de The Darjeeling Limited é uma colecção de temas tão pitorescos quanto o próprio filme, com uma série de temas retirados de filmes de Satyajit Ray (mais um dos sinais da cinefilia de Anderson, que faz o mesmo que Tarantino, reciclando o cinema de género) que convivem com os Kinks ou os Rolling Stones (e a cena ao som de Play with fire é a cena do filme) em plena harmonia. Por vezes, parece haver a ideia de que The Darjeeling Limited é um dos títulos menores da filmografia de Wes Anderson, mas talvez seja só impressão minha. É que este é um dos seus melhores McRoyal Deluxes.

Título: The Darjeeling Limited
Realizador: Wes Anderson
Ano: 2007

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