| CRÍTICAS | O Duplo

A existência de Simon James, o protagonista de O Duplo, é tão insignificante e patética quanto a carreira de Jesse Eisenberg, o actor que lhe dá corpo. Ainda hoje ninguém percebeu como é que Eisenberg conseguiu construir uma filmografia relativamente consistente. É mais ou menos como o Michael Cera, mas ao menos esse sempre serve para ir fazendo de Michael Cera em alguns filmes. Por isso, Eisenberg é, paradoxalmente, o actor perfeito para encarnar Simon James, um tipo que é constantemente ignorado onde quer que vá, mal-tratado por todos, desprezado pela mãe e vítima de bullying constante, seja no trabalho, no café ou até no metro.

Contudo, a existência de Simon James vai dar uma volta de 180 graus quando entra na sua vida… James Simon (e o nome invertido não é o único sinal de duplicidade, que atravessa todo o filme), um doppelgänger autêntico que é a sua antítese, no que diz respeito a comportamentos e à forma de estar na vida. Por isso, enquanto que Simon James é um tipo apagado, que ninguém nota, James Simon é a luz de qualquer divisão onde entre, sendo um sucesso entre homens e mulheres. Curiosamente, ninguém nota nas semelhanças entre os dois quando estão juntos, porque o segundo ofusca o primeiro, mas obviamente que este vai aproveitar-se disso para seu benefício, seja para subir nas palminhas do chefe, lá no emprego, seja para sacar Hannah (Mia Wasikowska), a colega que Simon James observa diariamente de forma obsessiva.

Baseado livremente no romance homónimo de Fiodor Dostoiévski – que é, por sua vez, o grande clássica no que diz respeito ao tema do doppelgänger -, O Duplo tem como grande trunfo o mundo que cria. É que o filme é ambientado numa sociedade distópica altamente burocrática – e com uma apurado humor negro, como uma versão comunista do O Escritório -, que é toda cinzentona como um qualquer país soviético, mas elevado ao expoente máximo da monotonia. É como se Terry Gilliam tivesse realizado um remake do Brazil – O Outro Lado do Sonho na Checoslováquia ou na Polónia dos anos 70, tipo aquelas comédias sci-fi de baixo orçamento que vemos no Eastern European Movies.

Esse ambiente, tão opressor quanto estético, é filmado por Richard Ayoade com o mesmo virtuosismo de um Wes Anderson (e com a luz tão recortada, que parece que o Aki Kaurismäki nasceu na Europa de Leste em vez da Escandinávia). De tal forma que, por vezes, ele se sobrepõe à própria história. Existem momentos do argumento que parecem ter sido filmados à primeira, quando necessitavam claramente de pelo menos mais uma revisão, enquanto que a mise-en-scène, os enquadramentos e a composição de cena é sempre apurada até ao mais ínfimo pormenor. E esse é o paradoxo do filme, o que até lhe fica bem, tendo em conta que é todo ele acerca da duplicidade: por um lado, a atmosfera criada ofusca muitas vezes o argumento, a história e as personagens; mas, por outro, é esse mundo que mantém O Duplo acessível até ao final, sem cair na irrelevância ou no desinteresse total.

Imaginamos O Duplo com um argumento revisto um par de vezes – e com outro actor no papel principal, já que Jesse Eisenberg se limita a encarnar Simon James de cara séria e James Simon a sorrir para marcar a diferença entre ambos – e ficamos automaticamente com água na boca. Que filme seria… Talvez num futuro longínquo (ou numa realidade alternativa) isso venha a acontecer. Até lá, ficamos com este Cheeseburger, que é aquilo a que temos direito. Mesmo assim, não é nada mau e merece uma chance, especialmente para quem gosta de distopias burocráticas.

Título: The Double
Realizador: Richard Ayoade
Ano: 2013

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