Antes de começar a ver As Marvels tive que ir refrescar a memória. Isto é a sequela de que filme mesmo? Ah, da Capitão Marvel, aquele que era o filme de super-heróis da Marvel genérico número 71 e que servia para rivalizar com a Mulher Maravilha, da DC, e ser a resposta girl power da empresa do rato Mickey. Mas espera aí… não me lembro da Teyonah Parris e da Iman Vellani (as outras duas Marvels do título) nesse filme. Ah, afinal isto cruza também com o WandaVision (onde Teyonah Parris ganhou poderes especiais) e com a Ms. Marvel, a série versão teenager dos heróis Marvel. Se isto continuar assim vou ter muita pena dos nossos netos, que para perceberem o novo lançamento de 2039 vão ter que ver três trilogias, um spin-off, duas séries de televisão e dar uns toques num jogo de computador imersivo qualquer.
As Marvels junta três diferentes heroínas que, no fundo, são a mesma e que procura dar sentido a um herói que já teve várias versões e encarnações, já para não falar dos da DC (Shazam, que também já chegou ao cinema, é outro dos heróis com o mesmo nome). Quer dizer, aqui não são literalmente a mesma pessoa, mas todas elas têm os mesmos poderes. Brie Larson é a Capitão Marvel principal, ou não tivesse ela um filme em nome próprio; Teyonah Parris é Monica Rambeau, que aqui (ainda) não tem nome de código, mas que quem lia os gibis da Abril nos anos 90 se lembra dela nos Vingadores e quem acompanha ainda os livros a reconhece como Spectrum (ou Pulsar); e Iman Vellani é a adolescente da série Ms. Marvel, cheia daquele entusiasmo irritante dos jovens que ainda acreditam que vão mudar o mundo. Humpf! Deixem-me ir ali gritar com os putos na rua que estão a fazer muito barulho a jogar à bola…
Nia DaCosta, que assume as rédeas da direcção, tenta cruzar estas três personalidades muito diferentes e, apesar de As Marvels começar com uma energia adolescente muito irreverente e cartunesca, que nos faz pensar que vamos entrar por uma via tipo Scott Pilgrim Contra o Mundo, rapidamente se vai desvanecendo. As Marvels procura ser informal, descontraído e bem-disposto (no fundo, seguir a fórmula que James Gunn (e depois Taika Waititi) convencionaram para todos os filmes de super-heróis desde o sucesso do primeiro Guardiões da Galáxia), mas rapidamente se esvazia por completo, sem ficar nada onde nos agarrarmos.
Aliás, As Marvels parece tão genérico (leia-se ainda mais genérico), que até ficamos na dúvida se a Marvel não terá desistido do filme a meio. Por exemplo, quando as heroínas chegam a Aladna, um país em que a língua oficial é o canto e, por isso, todos os diálogos são uma coreografia de Bollywood (e cujo príncipe é interpretado por Park Seo-joon, de Parasitas), e que prometia ser uma trip, rapidamente a coisa se torna enfadonha e pouco imaginativa. Até os cenários se limitam a uma parede branca com umas trepadeiras, como a versão contrafeita de Santorini, que alguém encomendou da Wish (é da Temu que se diz agora?).
O argumento é básico e roubado de… A Mais Louca Odisseia do Espaço, a vilã de Zawe Ashton é ainda mais inconsequente do que o de Jude Law no Capitão Marvel e as cenas em que as três heroínas trocam de posição sempre que utilizam os seus poderes tem relativa graça, se bem que mais não é do que a versão do As Aventuras de Annabel, versão super-heróis. E neste campo, Freaky – Este Corpo Fica-me a Matar é bem melhor. Depois há a família indiana de Iman Vellani, que saiu directamente do Goodness Gracious Me e em que estamos sempre à espera dos risos enlatados e, no meio de tudo isto, até o Nick Fury de Samuel L. Jackson parece ser despromovido a uma personagem bem menos interessante.
As Marvels é mesmo um dos piores filmes do Universo Cinematográfico da Marvel e é o sinal mais óbvio do desgaste do género. Toda a gente está a dizer que é o início do fim. Vamos ver. A verdade é que o futuro não parece radioso para os super-heróis. E este Happy Meal está aí para o provar.
Título: The Marvels
Realizador: Nia DaCosta
Ano: 2023