É extremamente devastador ver os nossos ídolos a cair. Por exemplo: Jerry Seinfeld. Depois de passarmos décadas a venerar a melhor série do mundo, Seinfeld, que nos deu referências para praticamente todas as coisas triviais que nos acontecem no dia-a-dia, começámos a vê-lo a desculpar o Bill Cosby, a dizer que a esquerda está a arruinar a comédia(lol) e a tornar-se num sionista empenhado. Será que o segredo de Seinfeld era mesmo o Larry David?
Ao fim de 40 anos de carreira, Jerry Seinfeld decide finalmente fazer um filme, onde é protagonista e até realizador (apesar de haver uma longa lista de criadores, tão extensa que mais parece um episódio do SNL; e tendo em conta a quantidade de colaboradores que por aqui passam, se calhar até é). A Batalha das Pop-Tarts é o filme de Seinfeld para a Netflix e que, a partir de um numero conhecido da sua stand-up comedy – o das pop-tarts, uma espécie de biscoito recheado com geleia de fruta, muito popular nos Estados Unidos -, se debruça sobre a luta entre a Kellogg’s e a Post pela criação da próxima big thing no domínio do pequeno-almoço nos anos 60. E, por isso, A Batalha das Pop-Tarts fa-lo criando um paralelismo com a corrida ao espaço, que também aconteceu no mesmo período, trazendo para a contenda os próprios JFK ou Nikita Krushchov.
A Batalha das Pop-Tarts é assim um filme que mistura ficção e realidade sem qualquer critério, seguindo aquela atitude de que diz que comédia é comédia e que o humor não tem qualquer contexto social, cultural ou político. É difícil crer que alguém consegue acreditar mesmo nisso e, por isso, A Batalha das Pop-Tarts parece mais uma tentativa forçada de Seinfeld em o provar. O filme é descaradamente anacrónico, mistura diferentes tipos de humor e cruza ficção e realidade com os mesmos níveis de indiferença, naquela forma blasé que é a imagem de marca do próprio Seinfeld. Por isso, no final, quando recria a invasão ao Capitólio – aqui com a invasão à sede da Kellogg’s -, com Hugh Grant a fazer de QAnon Shaman, a coisa atraiçoa-se a si própria, como se alguém quisesse mostrar que, apesar de sionista e anti-woke (seja lá o que isso for), está do lado certo da democracia.
A Batalha das Pop-Tarts até começa bem, em registo meio-fábula meio-mockumentário, enquanto tentamos perceber onde quer ir. Mas à medida que vai entrando mais no universo dos pequenos-almoços, um mundo ainda por cima demasiado norte-americano e carregado de referências que nem sempre compreendemos totalmente, A Batalha das Pop-Tarts vai perdendo mais e mais a graça. Começams por nos limitarmos a um esgar aqui e ali e terminamos já a bocejar e a olhar para o relógio. O humor é sempre pateta e fácil, muito tongue in cheek, e às vezes tão ridículo que parece fazer referência ao ZAZ style. Mas quando olhamos melhor, percebemos que ele não é um humor absurdo, é só aleatória, que se limita a disparar para o lado, o que significa que às vezes acerta em alguns alvos interessantes, mas deforma totalmente inconsequente.
Por isso, a maioria das personagens secundárias não têm piada nenhuma (como o conjunto das mais brilhantes mentes dos anos 60 que a Kellogg’s convoca para criarem o pequeno-almoço derradeiro), algumas piadas que se tornam recorrentes são tão baças que até embaçam (como uma massa que ganha vida própria e que parece um Pokemon, acabando por ser criada como uma criança por um chef italiano e um nazi, ambos altamente estereotipados) e até Hugh Grant, que nos últimos anos tem vindo a gozar o prato à conta do crédito acumulado de décadas de rom-coms, é desaproveitado. Pois é, Jerry Senfeld, a culpa de A Batalha das Pop-Tarts ser só um Happy Meal sem piada não é da esquerda, do woke ou do cancel culture, é mesmo só tua.
Título: Unfrosted
Realizador: Jerry Seinfeld
Ano: 2024