Enquanto continua o debate sobre como se lidar com a inteligência artificial, que não consegue acompanhar a velocidade com que esta vai desbravando novos territórios a cada dia que passa, Hollywood continua a aproveitar o tópico e a capitaliza-lo para ganhar todos os trocos possíveis. No entanto, fa-lo sempre a partir da mesma perspectiva: a da ascensão das máquinas e da guerra entre humanos e robôs.
Por isso, depois de O Criador, eis mais uma distopia sci-fi, desta vez financiada pela Netflix, que imagina um armagedão espoletado pela insurreição de um bot. Neste caso é Harlan (Simu Liu), um antigo robô de cozinha que, quando ganha independência de pensamento e se insurge contra os humanos, fica inexplicavelmente com olhos azuis e um corte de cabelo da moda. Harlan decide que é preciso fazer uma purga à humanidade antes que esta acabe com o planeta (uau, nunca tínhamos ouvido esta, em sequer quando Gort veio ameaçar a Terra em… 1951), começa uma guerra mundial entre homens e máquinas, a comunidade internacional cria uma polícia mundial para dizimar os robôs e, no final, Harlan decide partir para outro planeta para se reorganizar. Para trás deixa apenas uma mensagem: I’ll be back. Não o diz exactamente com estas palavras, mas é o que quer dizer. E não sabemos se a referência é propositada, mas é assim que o nosso wishful thinking a percebe.
Esta é a melhor parte de Atlas. E, no entanto, ainda nem sequer chegámos ao quarto de hora de filme. O que quer dizer que, a partir daqui, as coisas só podem piorar. A questão é: até quanto? Entra então em cena Atlas (Jennifer Lopez), a filha da grande pioneira da inteligência artificial que havia criado Harlan e com o qual cresceu. Por isso, depois do robô ter matado a sua mãe – a criação ultrapassa sempre o mestre, não é? -, Atlas tomou a decisão de só descansar quando o derrotar. Por isso, 28 anos depois do seu desaparecimento no espaço sideral, Atlas tornou-se numa solitária viciada em cafeína que é a maior especialista do mundo no vilão cuja sombra continua a ameaçar o planeta.
O futuro distópico de Atlas é uma versão muito cartunesca das distopias sci-fi a que estamos habituados, como se tivesse sido gerado por… inteligência artificial a partir de filmes como Eu, Robot ou Relatório Minoritário. Aliás, as leis da robótica de Asimov, cujo primeiro mandamento é logo quebrado no início do filme – um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal -, é a grande premissa do filme, se bem que é descartada ainda antes desse quarto de hora. É que Atlas quer ser um blockbuster cheio de masturbação digital, onde só o fogo-de-artifício interessa.
Rapidamente Atlas vai viajar para um planeta longínquo onde Harlan foi localizado, cria relutantemente laços com um fato de guerra omnisciente e, tal como Batalha do Pacífico (os robôs são quase iguais), termina tudo numa cena de destruição gigante, que arrasa com tudo. Atlas vai pegar em vários elementos à toa de clássicos de sci-fi (a relação entre Jennifer Lopez e a máquina, muito Exterminador Implacável 2, até mesmo na forma como esta última aprende humor e sarcasmo; os robôs gigantes sincronizados com a mente de Batalha do Pacífico; a dicotomia entre IA e analógico, que lembra Eu, Robot…), mas não explora nenhum deles, porque tudo é direccionado para terminar nesse grande duelo final entre Simu Liu e Jennifer Lopez, numa cena com referências a… Soul Calibur?
Atlas é um filme de acção musculado mascarado de sci-fi, que não sabe como o explorar sem que as personagens sejam altamente descritivas em tudo o que fazem, não vá o espectador não ser inteligente o suficiente para perceber o que está a ver. Tudo é aflorado pela rama, os clichés amontoam-se e, no final, pouco fica para a posterioridade além do Happy Meal.
Título: Atlas
Realizador: Brad Peyton
Ano: 2024