| CRÍTICAS | Conversas com o Diabo

Mockumentário ou found footage? Conversas com o Diabo é um bocadinho dos dois. O filme de Colin e Cameron Cairnes começa como um documentário tradicional, introduzindo-nos à história de Jack Delroy (David Dastmalchian), um popular apresentador de um talk show nos anos 70, que rivalizou durante muitos anos com o de Johnny Carson. Depois, a sua esposa morreria precocemente, vítima de “doença prolongada”, e a vida e a carreira de Delroy nunca mais se recompôs. Depois de uma temporada num retiro maçónico (um piscar de olhos ao Bohemian Grove, uma de várias referências a personalidades e casos reais que acontecem subtilmente ao longo do filme), as audiências do Night Owls começaram a decair cada vez mais e a estratégia em enveredar por um estilo mais sensacionalista aumentou de forma exponencial.

Eis então que, numa Noite das Bruxas, o talk show teve a sua última emissão, com um episódio fatídico que ainda hoje é recordado por todos. O que Conversas com o Diabo faz é apresentar-nos, em versão integral, recorrendo às imagens em bruto, tudo o que se passou nesse programa de televisão, incluindo o atrás das câmaras durante os intervalos. O mockumentário é assim interrompido e começa o found footage film, se bem que os realizadores nunca abraçam totalmente o género. É que, nessas cenas behind the cameras, há sempre pelo menos dois tipos a filmar, que seguem os protagonistas para os bastidores e tudo. Quanto a vocês não sei, mas a mim aborrece-me sempre que os filmes de found footage fazem isso, porque é sobretudo… preguiçoso.

Esse fatídico episódio do Night Owls foi então inteiramente dedicado ao fantástico e ao paranormal. O primeiro convidado é Christou (Fayssal Bazzi), um medium que, apesar de ainda deixar algumas dúvidas no ar, rapidamente é desacreditado pelo céptico Ian Bliss, um “especialista” que oferece uma recompensa a quem ele não conseguir comprovar a fraude paranormal. Só que a porta da desconfiança fica entreaberta e os convidados seguintes vão arromba-las de rompante. É a psicóloga Laura Gordon e uma miúda pseudo-possessa (Ingrid Torelli), que rapidamente vão diluir a fronteira entre o que é real e o que não é.

Conversas com o Diabo funciona assim como uma panela de pressão, que vai escalando à medida que os sinais paranormais vão aumentando de tamanho e de frequência. Nunca chega a ser um filme assustador ou necessariamente perturbador, como são outros found footage como [Rec], O Projecto Blair Witch ou Holocausto Canibal (para mencionar apenas os mais famosos), mas é extremamente eficaz na forma como cria ligações com a realidade. Encontramos ecos do talk show de Johnny Carson (e aos seus sucessores mais actuais, de Jay Leno a Conan O’Brien, mas também às versões portuguesas de Herman José e aos seus convidados… especias, da Pomba Gira ao Professor Herrero), aos satânicos de Anton La Vey (há um tipo chamado Anton D’Abo, que é um achado de nome), aos mentalistas de Uri Geller ao fantástico Kreskin e até antecipa o satanic panic dos anos 80. Conversas com o Diabo é assim uma excelente proposta de terror, cujo McBacon nos lembra quando a televisão tinha um outro poder e outra relação com o real.

Título: Late Night With the Devil
Realizador: Cameron Cairnes & Colin Cairnes
Ano: 2024

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