| CRÍTICAS | Um Sinal Secreto

Vivemos numa época em que o capitalismo até já ganhou o prefixo pós, de tão absurdo que é. As desigualdades são cada vez maiores e os mais ricos já não são só super-ricos, são também acumuladores de riqueza, como o dragão do Hobbit. E, como o espelho dos tempos que é, o cinema começa a interessar-se por essas pessoas. Será que os ultra-liberais que continuam a idolatrar e a querer chupar a pila dos Musks e dos Bezos desta vida não acham curioso que, nestes filmes estas personagens sejam sempre o vilão?

Um Sinal Secreto, a estreia de Zoe Kravitz na cadeira de realizadora, é um filme sobre uma destas figuras. Um super-rico com queda para o disparate, que decidiu redimir-se, dar asas à costela altruísta e tornar-se numa espécie de eremita na ilha que comprou (Channing Tatum). No outro extremo do aspecto está Naomi Ackie, em representação dos outros 99 por cento da população, que por mais que trabalhem nunca hão de chegar nem perto da riqueza dos 1 por cento. Ou então é porque não se esforçam o suficiente, sei lá.

Ackie e a sua melhor amiga, Alia Shawkat, são empregadas de mesa e cruzam-se com Tatum num evento onde estão a fazer o catering. Uma sucessão de coincidências leva-as a embarcar para a ilha privada de Tatum com um grupo de amigos… excêntricos, onde se inclui um desaparecido Haley Joel Osment e Christian Slater.

A primeira metade de Um Sinal Secreto é uma sucessão de dias hedonistas, numa ilha deserta, regados a drogas, álcool e high cuisine. Não é bem o Spring Breakers – Viagem de Finalistas, até porque há inesperadamente pouco sexo (está guardado para o twist), mas mais o A Praia. A noção de tempo começa a diluir-se até que Shawkat é mordida por uma cobra e entra em pânico: algo de estranho se passa! Será? Ou isto é algo metido a martelo apenas para dar início à segunda parte do filme?

Zoe Kravitz, sem inventar a roda, tem uma realização estilos e de bom gosto, ilustrando na perfeição aquelas férias de sonho, mas deixando sempre um rabo de fora. O problema é que, depois, não tem uma ideia suficientemente forte para suportar o filme. E nem estou sequer a falar da falta de explicação para como tudo funciona nos bastidores. Tal como outro filme muito do sue tempo, que estreou mais ou menos na mesma altura (olá Herege), Um Sinal Secreto parece ter uma ideia e depois força o filme a encaixar nela.

Mas o pior é a segunda cambalhota que dá. O contra-twist depois de um momento altamente misógino e perturbador, retira por completo o tapete a qualquer sinal de feminismo ou girl power que parecia ser a sua real intenção. Um Sinal Secreto torna-se num conto amoral sobre a ganância e a sede de poder e essa era a pior decisão que Zoe Kravitz poderia tomar para terminar este filme. Mesmo assim, o seu Cheeseburger tem uma mensagem clara: Kravitz pode muito bem fazer-se realizadora.

Título: Blink Twice
Realizador: Zoe Kravitz
Ano: 2024

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