| CRÍTICAS | O Brutalista

O cinema e a arquitectura são as duas únicas formas de arte que são industriais, no sentido em que, apesar da sua dimensão artística, apenas são possíveis graças à combinação de uma série de saberes técnicos e especializados. Já para não falar dos processos industriais de produção, distribuição, transporte… Por isso, era de esperar que uma e outra tivessem uma maior relação de proximidade. E a verdade é que, salvo algumas excepções (Vontade Indómita, que é o inevitável título sempre mencionado quando se fala de arquitectura no grande ecrã, ou A Barriga do Arquitecto), os arquitectos são quase sempre retratados apenas como vilões e/ou especuladores imobiliários. Ou então como vigilantes que saem pela calada da noite para fazerem justiça pelas próprias mãos (sim, estou a falar de Desejo de Matar).

O Brutalista é o novo filme sobre arquitectura para passarmos a emparelhar ao lado de Vontade Indómita, se bem que a arquitectura não é assim o tema tão central quanto parece. O Brutalista é um épico de grande fôlego, que acompanha a história do arquitecto judeu Lászlo Tóth (Adrian Brody), desde que foge da sua Budapeste natal para os Estados Unidos. É uma jornada pessoal e um drama familiar, em que a arquitectura é apenas uma metáfora para uma série de coisas. Quando Tóth começa a fazer a sua obra mais megalómana, uma igreja brutalista no topo de uma colina, e esta se prolonga no tempo como um mono devoluto, funciona exactamente como a nave incompleta de Fellini, em 8 1/2, ou o navio empurrado pela Amazónia de Herzog, em Fitzcarraldo.

Até o passado de Adrien Brody e a sua relação com o Holocausto, depois de O Pianista, de Roman Polanski, acaba por ressoar neste trabalho. Ao longo de três horas e meia, O Brutalista aborda vários temas, como a religião e o anti-semitismo, a liberdade, o (pseudo)sonho americano, a doença, o trauma e a saúde mental a sexualidade perante a deficiência física (e não só) e toda uma declinação de várias relações e sentimentos humanos. Por vezes, existem temas que parecem ser abordados para reaparecerem mais tarde com grande estrondo, o que dá algo de presunçoso ao filme, mas ei… estamos a falar de um filme de três horas e meia, claro que é presunçoso. Como todos os trabalhos ambiciosos o são, que o diga Lászlo Tóth e a sua neverending igreja.

Uma das personagens mais importantes de O Brutalista são, precisamente, os próprios Estados Unidos. No prólogo, quando acompanhamos Adrien Brody a chegar de barco aos Estados Unidos, a câmara desloca-se para o horizonte e mostra-nos a estátua da Liberdade, esse símbolo do mundo livre e democrático (lol), se bem que o realizador Brady Corbet nunca endireita o plano. É uma cena inteligente e que dará o mote para a história de Lászlo Tóth num país cheio de contradições e que se torna tão pertinente nos tempos que correm, quando os Estados Unidos atingem os píncaros do seu paradoxismo.

Brady Corbet tem uma realização sóbria, mas pontuada de boas ideias, filmando em Panavision para uma recriar não só a época, mas também um tipo de cinema muito particular de um período específico – o início da contracultura dos anos 70. Os seus actores aproveitam os papeis e a liberdade que têm para afincar o dente, se bem que Felicity Jones, que só aparece quando já passaram quase 2 horas de fundo, parece tentar compensar o tempo perdido e por vezes parece extemporânea. O que era realmente dispensável era o epílogo, que salta para os anos 80 e que Corbet exagera em tantos eighties, terminando inclusive com o europop manhoso dos La Bionda. Demasiado anacrónico para quem acabou de passar 3 horas mergulhado nos anos 50.

Então e a arquitectura? Corbet pode fazer uns planos bonitos dos edifícios, mas não há propriamente nada de técnico em O Brutalista que possamos dizer que seja realmente um filme sobre Arquitectura (pelo menos assim, com letra maiúscula). Além disso, não admira que tenha irritado tanto os arquitectos e respectiva clássica. Tal como Vontade Indómita, O Brutalista é um hino ao individualismo (essa praga que é o tio dela outra praga ainda mais odiável chamada empreendedorismo), que dá mau nome ao arquitecto, retratando-o como o génio iluminado que recusa qualquer abordagem ergonómica, humanista ou eficiente em nome do seu brilhantismo estético.

O Brutalista, nas suas aspirações de ser o novo grande romance americano, não consegue derrotar Vai Haverá Sangue, mas não deixa de ser um épico bem respeitável. Fica-se pelo McChicken, mas há quanto tempo não víamos ambição como esta?

Titulo: The Brutalist
Realizador: Brady Corbet
Ano: 2024

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