Se alguma vez sentiram a necessidade de justificar aos vossos pais a vossa escolha do curso de Línguas e Literaturas, este é o vosso filme. Porque se ninguém se dedicar ao estudo de línguas mortas, traduções e sei lá mais quê, quem, pergunto, QUEM é que vai falar com os extraterrestres quando eles chegarem?? Ah pois é.
Arrival em português é traduzido como O Primeiro Encontro, porque, bem, não há nada que chame mais as pessoas às salas do que um título de comédia romântica com as trombas da Amy Adams no poster com umas cenas de ficção científica de fundo. Mas não, Amy Adams não anda a usar o Tinder Intergaláctico para chegar ao céu, isto é mesmo ficção científica, temos pena, para romances idióticos no espaço vide Passageiros.
E qual é a historieta? Chegam doze naves espaciais à Terra, estacionadas em sítios diferentes, e a modos que os governos internacionais se vêm aflitos porque, quem diria, os extraterrestres não falam inglês. Apenas fazem barulhos de canos entupidos, com uns feedback de microfone demasiado perto da coluna à mistura. Para decifrar esta língua melodiosa, os Grandiosos Estados Unidos vão buscar a linguista Louise Banks (que é, surpresa surpresa, Amy Adams) para subir à nave e tentar ensinar ao que parecem dois polvos gigantes (sem arroz e definitivamente não à lagareiro) os rudimentos dessa língua superior que é o Inglês. Ou seja, entrámos no cinema para comer um bom filme de ficção científica e saiu-nos uma aula de linguística. Bolas.
Dizer que O Primeiro Encontro é um bom filme já é um mega spoiler. Porque assim vocês vão ver o início e já sabem que há marosca. Spoiler: há marosca. E não, não é o aparecimento súbito do Will Smith para salvar o Mundo. Sim, os Estados Unidos salvam o Mundo da Terceira Guerra Mundial (ou Primeira Guerra Intergaláctica, depende da perspectiva) ao conseguir acalmar a beliciosa China (os “mauzões” neste filme) e Rússia (apresentada aqui como a Maria Vai com as Outras da China). E sim, perceberam bem, os Estados Unidos – incarnados pela protagonista Louise Banks – querem a paz e a cooperação com os extraterrestres. Apesar de estes não falarem inglês e claramente estarem aqui para roubar os nossos trabalhos (imaginem quantos emails se podem escrever ao mesmo tempo com múltiplos tentáculos).
Apesar da Amy Adams interpretar a intérprete (é um pleonasmo, seus plebeus) como se tivesse um monte de sardinhas de anteontem debaixo do nariz em todos os momentos, a aula dela sobre a origem do Português ter sido interrompida e nunca terminada por causa dos extraterrestre e o uso da banda sonora raiar o abuso doméstico, O Primeiro Encontro é do melhorzito, em termos de ficção científica, dos últimos tempos. Talvez porque a barra esteja baixa (vide, novamente, Passageiros), ou porque queremos mesmo muito que o Denis Villeneuve não arruíne o Blade Runner 2049. Seja qual for a razão, estamos felizes e damos-lhe um McRoyal Deluxe com batatas fritas grandes e bebida.
PS – (spoiler) Eia, um filme sobre “viagens” no tempo que não lixa a continuidade temporal!
PPS – Nem é uma questão dos extraterrestres não compreenderem os termos ingleses bem – eles estavam, afinal, a comunicar na língua deles. A tradução é que deixou muito a desejar.
Título: Arrival
Realizador: Denis Villeneuve
Ano: 2016