| CRÍTICAS | Duna

Há uma parte em Jodorowsky’s Dune que ilustra na perfeição este Duna. Às tantas, depois de anos a tentar fazer a sua própria adaptação do clássico de Frank Herbert, o mestre chileno consegue superar a depressão e a derrota pessoal e vai ver ao cinema o filme de David Lynch. Quando termina, Jodorowsky confessa não ter conseguido conter as lágrimas de satisfação e um certo sentimento de alívio: Duna era horrível!

Comecemos pelos factos. Dune é um dos primeiros épicos de ficção-científica e um clássico absoluto da literatura do género, escrito nos anos 60 por Frank Herbert, que narra a história messiânica de Paul na liderança do povo local de Arrakis, um planeta coberto de areia e sem um pinga de água, mas rico numa especiaria subterrânea que faz mover a galáxia. Tal como todos os grandes livros de ficção-científica, tambem este se presta a várias leituras, seja o primeiro grande livro ecologista, seja na sua metáfora ao Médio Oriente – uma zona em constante conflito, árido mas com um produto subterrâneo que o fazem ser cobiçado por meio mundo, e que parece condenado a uma jihad inevitável.

Depois de anos a tentar adaptar o filme, numa produção megalómana que incluía Salvador Dali, Orson Welles, os Pink Floyd ou HR Giger, Jodorowsky viu-se ultrapassado pelo icónico produtor Dino de Laurentis. E coo para esquisito, esquisito e meio, De Laurentis foi buscar David Lynch, acabadinho de sair de No Céu Tudo é Perfeito, para fazer o filme. No final, as partes desentenderam-se, Lynch queixou-se de censura e três versões diferentes do filme chegaram ao público, nenhuma delas um director’s cut.

O resultado final é um Duna completamente anónimo e frio, que faz uma adaptação literal do livro, mas sem alma nenhuma. É como aqueles textos lidos por pessoas que não têm jeito nenhum para declamação e o fazem de forma monótona e tudo de seguida, a eito. Nem sequer se nota o dedo de Lynch, autor cujo nome se confunde com surrealismo e esquisitices, talvez exceptuando a personagem do Barão Harkonnen (Kenneth McMillan), com a sua pele toda carcomida, umas válvulas no coração que ninguém percebe para que servem, uns chuveiros de xarope e uma estranha tensão sexual para com Sting.

E por falar em Sting, quem é que se lembrou de lhe dar a chance de uma carreira como actor? O então membro dos Police passa as poucas cenas que entra a fazer caretas com as sobrancelhas, talvez inspirado pelos episódios dos Malucos do Riso que costumava ver. Não é que Kyle MacLachlan seja muito melhor, mas ao menos a ele já estamos habituados, uma vez que depois de se ter estreado aqui acabou por servir para quase todos os papéis que Lynch criou. Anda ainda por lá gente respeitável como Patrick Stewart ou Max Von Sydow, mas todos se limitam a entrar e a sair de cena, sem grande aparato e tudo muito esquecível.

A preguiça do argumento de Duna é tal que não se limita a ter um narrador (a rainha das muletas narrativas), usando voz-off para todos os pensamentos das personagens, explicando assim, tim-tim por tim-tim, o que estamos a ver, o que se está a passar e o que eles estão a pensar. Para ajudar estão ainda os efeitos-especiais low budget, com muita maquete, CGI arcaico e… isto(!), os melhores escudos da história da ficção-científica. E depois como o filme já ia com duas horas e, provavelmente, alguém tinha que ir apanhar a carreira para casa, termina tudo abruptamente, depois de Paul (Kyle MacLachlan) ensinar os rebeldes a dispararem umas armas fazendo sons com a boca(!).

Com Duna sentimos muitas vezes aquele sentimento de vergonha alheia por aquelas pessoas que estão no ecrã. Entendemos tão bem as gargalhadas de Jodorowsky quando viu o filme pela primeira vez. Só não o fizemos também porque já tínhamos começado a comer o Happy Meal.Título: Dune
Realizador: David Lynch
Ano: 1984

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