Aqui há não muito tempo atrás, o simples anúncio de uma adaptação da banda-desenhada franco-belga Valerian por parte de Luc Besson seria o suficiente para muito boa gente soltar uma pinguinha. Contudo, tendo em conta a filmografia recente do realizador francês (mas que raio foi aquilo do Lucy? ela transforma-se numa pen drive no final!!), isso valeu-nos apenas um despreocupado meh. E talvez sejam essas moderadas expectativas o grande trunfo de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas.
Valerian (Dane DeHaan) e Laureline (Cara Delevingne) são dois agentes especiais espaciais, num futuro longínquo, que vão embarcar numa aventura com tanto de matiné de domingo à tarde quanto de thriller de ficção científica. A sua dinâmica screwball, com muita tensão sexual acumulada, transmite ao filme, simultaneamente, um tom descontraído e de de comédia romântica, dispensando os habituais números de comic relief ou subplots românticos metidos a martelo porque eles já lá estão.
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é assim uma space-opera épica, que é uma espécie de O Quinto Elemento nos ácidos. Não é por acaso que é (como O Quinto Elemento também o havia sido) o filme europeu mais caro de sempre, com uma masturbação digital incrível. Só em espécies e raças cridas, contam-se mais de um milhar, fazendo da cena da cantina, em Guerra das Estrelas, uma sequência low budget. Aliás, quando começa, em pleno planeta Mul – cujos Pérolas, a raça local, terão um papel central em toda a trama do filme, numa parábola ao Holocausto que Ricardo Vieira Lisboa realça e bem num excelente texto no À Pala de Walsh – quantas vezes lemos uma crítica a um filme de sci-fi com citações de Heidegger? -, temos dificuldade em perceber, no meio de tanto CGI, se estamos a ver uns desenhos-animados, um jogo de computador ou a nova sequela de Avatar.
Luc Besson diverte-se ao explorar ao máximo as vantagens do digital, lembrando nas sequências mais rápidas/brilhantes/barulhentas os ataques epilépticos de Speed Racer. Contudo, ao contrário de gente como Michael Bay, o francês não se limita ao puro espectáculo visual e sonoro, completamente oco de conteúdo, já que mantém algumas ideias de cinema e, especialmente, uma ideia de espectáculo associada a uma de entretenimento. A este caldeirão borbulhante de coisas a acontecer constantemente, Besson atira ainda o efeito-celebridade de Rhianna (numa sequência de dança completamente gratuita), um irreconhecível Ethan Hawke, o Herbie Hancock sabe Deus a fazer o quê, Clive Owen e um cada vez mais breve Rutger Hauer.
Não tem a personalidade de O Quinto Elemento, mas Valerian e a Cidade dos Mil Planetas não é propriamente entretenimento descartável. E como alguém disse, é melhor que a maioria dos últimos Star Wars. E isto é dizer muito de uma space-opera, mesmo que seja um McChicken. Agora pensem.Título: Valerian and the City of a Thousand Planets
Realizador: Luc Besson
Ano: 2017