| CRÍTICAS | As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim

Sempre que vejo As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim não consigo deixar de pensar nos sonhos de Calvin & Hobbes, com os seus dinossauros em aviões de guerra. É certo que este filme não é tão aleatório quanto Sucker Punch – Mundo Surreal, mas a sobreposição de elementos é tão absurda que faz de As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim um dos maiores festins de xungaria da sétima arte.

Basta ver logo como tudo começou: John Carpenter, o único realizador que nunca fez um filme mau, escreveu o argumento para um western, mas depois adaptou-o para um filme de artes marciais nos tempos de hoje, deslocando a acção para a América, ou melhor, para Chinatown, o bairro da comunidade chinesa fundado pelos imigrantes que vieram na corrida ao ouro para a Califórnia, nos primórdios dos Estados Unidos. A esta mixórdia juntou-lhe misticismo, sword and sorceries, tipos em fatos de borracha de monstros, efeitos especiais fajutos e armas de plástico. Muitas armas de plástico.

As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim acabou por passar despercebido nas bilheteiras, tendo inclusive sido arrasado pelo seu primo O Menino de Oiro, filme que pisava os mesmos territórios fantásticos, mas que era bem mais coerente. O filme só acabou por explodir quando chegou aos clubes de vídeo. Afinal, era a esse universo de cinema de série b que pertencia. Aliás, é a esse cinema independente que John Carpenter sempre pertenceu. Os seus filmes não necessitam de grandes efeitos nem de grande exactidão; se há uma arma é para dar tiros, não interessa se é de plástico, se tem balas infinitas ou se faz o som de uma metralhadora.

Jack Burton é então Kurt Russel, em modo übercool, no seu registo badass à Snake Plissken, repetindo com Carpenter a parceria de Nova Iorque 1977. Jack Burton é um camionista que, sem querer, acaba envolvido num esquema paranormal de chinesices, que mistura artes marciais com a Kim Cattrall ainda sem pensar tanto em sexo, misticismo e fantasmas. Como filme série b dos anos 80 que se preze, As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim convoca todas as grandes estrelas chino-americanas que se especializaram a fazerem de maus nos filmes de acção dessa década: James Hong, na pele do imortal e assustador Lo Pan, o mítico Victor Wong e o seu olho descaído e, claro, como não podia deixar de ser, the one and only, Al Leong – o tipo que se especializou a morrer de todas as formas e feitios nos action movies americanos.

Em registo buddy movie, descontraído e sem se levar muito a sério, As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim desenha hora e meia de acção non-stop, patetices, one-liners espirituosas e humor, inaugurando o wi-fu década e meia antes de O Tigre e o Dragão. Com o espírito muito próprio dos anos 80, década em que a noção de ridículo esteve dormente, As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim prova ainda que apenas um realizador como John Carpenter seria capaz de misturar tanta parvoíce e sacar um Le Big Mac de culto como este.

Título: Big Trouble in Little China
Realizador: John Carpenter
Ano: 1986

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