| CRÍTICAS | Nós

Foi de forma um pouco inesperada e surpreendente que Foge aterrou com impacto em Hollywood. Não por ser um mau filme (não o é, apesar de um último acto desequilibrado), mas por ser um filme de género, que normalmente são mais dados a nichos do que às massas. Obviamente que houve a conjuntura social, com o #blacklivesmatter por exemplo, mas o que é certo é que Jordan Peele se transformou no porta-voz da indústria cinematográfica negra – o Spike Lee do terror – e, consequentemente, no novo ai-Jesus de Hollywood. E, com isso, o seu segundo filme chegou rodeado de enormes expectativas.

Jordan Peele utiliza as mesmas armas de Stephen King para tornar as suas histórias aperitivas e reconhecíeis, até para quem não gosta de filmes de terror. Ou seja, as suas horror stories partem sempre de situações ordinárias, facilmente identificáveis, impregnadas de cultura popular. O que, no caso de Peele, são as suas paixões cinematográficas. Por isso, em Nós encontramos influências mais ou menos directas a Os Rapazes da Noite, a Shining, a Os Goonies e até à Quinta Dimensão.

A história é simples. Uma família de classe média de férias na praia de Santa Cruz (estão a ver a referência a Os Rapazes da Noite?) é confrontada com a ascensão das profundezas da terra dos seus respectivos sósias, que procuram substituir a humanidade na superfície. É novamente o A Invasão dos Violadores, mas desta vez com a metáfora da população negra. Ou a luta de classes, consoante o ponto de vista, tendo em conta uma cena fulcral, em que um dos doppelgangers, quando confrontado com a pergunta “quem são vocês?”, responde de forma curta e grossa: “Somos americanos”.

Nós é um filme cheio de ideias, que Peele constrói com o habitual humor e sentido prático, mas que às vezes apetece dizer que são ideias a mais. Contudo, acusar um filme de ter ideias a mais parece tão patético quanto aqueles empregadores que rejeitam empregados por terem qualificações a mais. O pior de Nós é mesmo quando Jordan Peele tens explicar em demasia a parte fantástica da trama, o que também já acontecia em Foge e acontece muitas vezes com Stephen King.

Na música há o conhecido problema do segundo álbum, em que as bandas tendem a não conseguir responder às expectativas criadas com o sucesso do disco de estreia e se atrapalham no sucessor, normalmente por excesso. Nós é uma espécie de equivalente cinematográfico desse dilema. Não é um mau filme, mas muitas vezes atrapalha-se com os próprios pés e acaba afogado nas expectativas criadas e nas batatas fritas do Double Cheeseburger que foram encomendadas a mais.

Título: Us
Realizador: Jordan Peele
Ano: 2019

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