2019 – o ano em que estreou aquele filme que fez uma crítica acérrima ao capitalismo selvagem, às pessoas que dele beneficiam e mostra o quão complicado pode ser o desemaranhar de um rol de mentiras, em prol de dinheiro fácil. Falamos, claro está, de A Ovelha Choné – A Quinta Contra-Ataca, o filme que elegemos ver este Natal em vez dos outros 90% de filmes em sala, em clara tentativa de não dar dinheiro para o peditório da Disney.
Como hipsters que somos (e leitores assíduos e regulares da obra completa de Ludwig Wittgenstein e Theodor Adorno) quisemos evitar ao máximo quaisquer referências a blockbusters – ou filmes que qualquer pindérico a passear na baixa da cidade reconheça por título – no nosso top 10 deste ano. Infelizmente, o chamado documentário do ano – sobre uma senhora que produz mel orgânico em montanhas remotas da Macedónia, Honeyland – não se encontra disponível nos sítios habituais, logo não pudemos ser tão extra e alternativos como desejaríamos. Vá, toquem o tiny sad violin enquanto o Titanic afunda. Ainda assim, após uma rápida pesquisa dos tops de todo o pessoal que odiou o Joker e após visionamentos intensivos rodeada das águas do Baixo Mondego, espero não falhar às três pessoas que vão ler isto (quatro, se a outra conseguir espetar o Google translate aqui). E aqui vai, por ordem decrescente:
10º Lugar
Knives Out – Todos São Suspeitos, de Rian Johnson
Quem não gosta de se enroscar com um bom romance policial à lareira, enquanto a família tem alta discussão sobre a maneira correcta de cozer grelos de nabo? Knives Out – Todos São Suspeitos, de Rian Johnson é daqueles filmes em que o realizador – persona-non-grata-aos-nerds Rian Johnson – vem no início pedir por amor de Deus para não darmos spoilers a ninguém e é por isso que vos digo, Rey-Rey Binks. Mas quem sou eu, além de alguém que tem sido obrigada a comer uma novela espacial ao Natal durante os últimos 4 anos? Anyhow, se quiserem um filme inteligente, de trocas e baldrocas e com uma excelente interpretação da Ana de Armas (a Lúcia Moniz não estava disponível) e um sotaque miserável de Daniel Craig, vinde, vinde a este que não ireis ficar desapontados.
9º Lugar
Cafernaum, de Nadine Labaki
Evidentemente que teria de pôr aqui um world film e ainda tenho pontos extra porque foi realizado por uma libanesa, Nadine Labaki. Cafernaum conta a história de um rapaz de 12 anos, preso por 5 após um crime violento, que processa os pais por ter nascido. Cheio de momentos de humor, apesar de não ser um visionamento fácil, Cafernaum foi nomeado para as estatuetas douradas deste ano (o que o fará, quiçá, um filme do ano passado, mas não me chateiem com pormenores), perdendo para o Roma. Trivia: as legendas inglesas não traduzem metade dos palavrões que saem da boca do miúdo, portanto, se tiverem um amigo que saiba falar árabe…
8º Lugar
Fyre, de Chris Smith
Apesar das aparências, sou uma comum mortal e tenho Netflix. Ou seja, no início do ano, tal como uma ovelha que não sabe o que fazer nos sábados à noite em que estão graus negativos lá fora, dei por mim a ver este documentário, que me conseguiu distrair do nível 125892105 do Candy Crush. A tradução fílmica do conceito alemão de Schadenfreude, Fyre mostra como um monte de idiotas das redes sociais com mais dinheiro que juízo podem ser enganados a comprar bilhetes para um festival no meio do lado mau das Bahamas (pois é, também nunca pensámos que existisse). Uma verdadeira inspiração para os entrepreneurs entre nós e um Óscar merecido ao senhor que pensou em oferecer sexo oral em troco de umas garrafinhas de Evian. Quem nunca?
7º Lugar
O Farol, de Robert Eggers
A preto e branco e a 4:3 (formato ideal para espetar no feed do Instagram), dois vampiros – Defoe e Pattinson – partilham um farol isolado naquilo a que muitos amigos meus, sobreviventes de temporadas em call centers, descrevem como ‘o pior estágio de sempre’. Com crueldade contra animais, momentos onanistas que não envolvem a hora mágica do lusco-fusco (aprende Malick) e, claro está, mamas, O Farol é aquele filme que todos teremos de ver mas ninguém percebe muito bem – o que o torna, evidentemente, genial.
6º Lugar
Salve Satanás?, de Penny Lane
E se um satanista lhe oferecer flores? Não sendo um documentário ao nível formal de uma Queen of Versailles ou King of Kong, Salve Satanás? ganha pela temática. Que sabemos nós sobre o movimento satanista nos Estados Unidos e no mundo? Porque é que Lúcifer se está a tornar tão popular entre uma certa classe intelectual e alternativa? Mostrando como é possível utilizar religião para destruir o próprio conceito de religião, Salve Satanás? tem entrevistados em contraluz com cornos, rituais com pessoal nu e, claro está, o enviado do demo a lavar-nos o cérebro e a convencer-nos que Satã É Fixe. E, bolas, gente!, o tipo é um porreiraço. Façamos uma estátua ao senhor no Terreiro do Paço para aumentar as verbas do turismo. Salve Satanás.
5º Lugar
Marriage Story, de Noah Baumbach
O relato do divórcio entre Kylo Ren e a Viúva Negra deixou-nos todos à beira de um ataque de lágrimas. Por fora, a família perfeita – o encenador famoso, a actriz de sucesso, o puto adorável, o apartamento em Nova Iorque. Mas, claro está, rapidamente nos é dada uma lupa para vermos em detalhes todas as falhas e problemas debaixo da superfície. Seria difícil um filme destes saído de outro que não Noah Baumbach – que se anda a tornar numa espécie de Woody Allen menos problemático para millennials -, que consegue falar muito ao coração de muitos casais criativos de classe média e a qualquer pessoa que dê por si a ter sentimentos por alguém que queira viver em Nova Iorque em vez de Los Angeles (mas o amor é cego, blá blá blá). A facada nas costas do amor romântico, num claro argumento de que é preciso mais do que sentimentos para fazer uma relação resultar, Marriage Story é o filme que não pode, de maneira nenhuma, fazer parte da sessão habitual de Netflix and chill. A não ser que sejam sociopatas, claro.
4º Lugar
Parasitas, de Bong Joon Ho
O menino querido de todos este ano fala coreano mas não tem lutas de sabres. Facas, sim, mas sem coreografia. Deuses, que alternativos estamos todos! Uma família pobre cheia de oportunistas consegue entrar no mundo exclusivo dos super-ricos através de falsos pretextos, mas o que começa como uma deliciosa comédia de enganos vira rapidamente para um lado muito mais negro que nos faz pensar (deuses, como ousam criar filmes que nos fazem puxar pelo cérebro) quem são os verdadeiros parasitas da história. Sem finais felizes possíveis, com um terceiro acto à boa maneira coreana e muitas razões para termos sempre a vibração do telemóvel desligada, Parasitas é visionamento obrigatório para qualquer paspalho que se diga cinéfilo.
3º Lugar
A Educadora de Infância, de Sara Colangelo
E se uma professora do infantário resolver explorar criativamente uma das crianças a seu cargo? Esta é a premissa principal deste filme desconfortável de Sara Colangelo, que, sem grandes diálogos, mostra como de boas intenções pode estar o registo de pedófilos cheio. Com Maggie Gyllenhaal a mostrar que ainda está para as curvas, desde que lhe dêem um guião de filme independente, e Gael Garcia Bernal a estimular todas as hormonas femininas que se encontrem à sua volta, A Educadora de Infância pode ser descrito como uma reflexão sobre o mundo literário, os desejos inconscientes de mulheres solteiras de meia idade e porque raio eu nunca confiarei em pessoas que gostam de passar os dias rodeados de crianças.
2º Lugar
Thunder Road, de Jim Cummings
Sim, também tecnicamente do ano passado, embora só o tenha visto míseros dias depois de publicar o meu top de 2018, Thunder Road merece que mais pessoas o vejam. Começa com a personagem principal, o polícia Jim, a fazer uma dança interpretativa da canção homónima de Bruce Springsteen em frente ao caixão da mãe, num plano fixo que nos leva através de todo um espectro de emoções. Baseado numa curta metragem com o mesmo nome, Thunder Road é um estudo da masculinidade tóxica no sul profundo dos EUA, que confia na audiência para ligar os pontos em vez de mastigar a papinha por nós. Uma excelente performance de Jim Cummings (que também escreveu e interpretou o papel principal, numa excelente gestão de orçamento) e, por cá, ficaremos a fazer stalking à carreira do senhor.
1º Lugar
Midsommar – O Ritual, de Ari Aster
Excelso e tão melhor que tudo o resto que vi este ano (que foi quase nada), este remake em bom do O Sacrifício pelas mãos gloriosas de Ari Aster fez-me sair do cinema e comprar imediatamente bilhetes para a Suécia. Que filmão! Desde a mise-en-scène (o filme está cheinho de easter eggs, incluindo superimposição de flashbacks na paisagem; logo, se acharem que estão a ver algo esquisito, não é por acaso), até às actuações – Florence Pugh do nosso amor colectivo -, passando pelo prémio para Melhor Namorado do Ano e Maneiras Não Ideais de Acabar uma Relação, Midsommar – O Ritual não está só no topo do meu top 10 deste ano, está também no meu coração. Um filme de terror de alto gabarito debaixo de um sol inclemente e incansável, que inclui trivia sobre folclore escandinavo e dicas culinárias. Não dá para pedir mais.
FILMES QUE QUERIA VER MAS FIQUEI SEM TEMPO
Honeyland (parece ser mesmo o documentário do ano, não estava a gozar). Ad Astra e High Life, o que significa que terei provavelmente de entregar o meu cartão de amante de ficção científica para o ano que vem. Um único filme português, quiçá o Diamantino. Mulherzinhas – para ver como a Greta segue com o hype da Lady Bird. Rastejantes – furacões e jacarés?? Claramente sou o público alvo disto.
OUTRAS COISAS QUE GOSTEI ESTE ANO
Booksmart. A nova série do David Attenborough, Seven Worlds One Planet. Ambos os livros da Sally Rooney. Clímax (Gaspar Noé teve de servir, que o Von Trier não lançou filme nenhum este ano). Eighth Grade. Na Fronteira (mais um visto no ano errado). Dolemite is My Name (bem vindo de volta Eddie Murphy). A primeira metade da última temporada do BoJack Horseman. O Boris Johnson a lembrar-nos a todos de quando prendíamos o mordomo no frigorífico no Tomb Raider II.
COISAS QUE FICARAM AQUÉM DAS EXPECTATIVAS
The Beach Bum – A Vida Numa Boa (não foi so bad it’s good, que é o que espero sempre que vou ver um Harmony Korine). Joker (gostei muito mais da versão que a Lindsey Anderson realizou no ano passado). All is True (o pior filme que vi durante o ano. Não, não vi o Cats ainda, mas duvido que o destrone). A última temporada da Guerra dos Tronos. A prestação inglesa no mundial de rugby.
As eleições parlamentares do Reino Unido.
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