Apesar de ter sido um shitshow, 2020 até acabou por ser um bom ano cinematográfico. Por um lado muitas estreias ficaram em suspenso e as distribuidoras aproveitaram para despejar cá para fora muita coisa que tinham acumulado, a apanhar pó; mas por outro não houve cá filmes da Marvel, muitos blockbusters da maria cachucha e, claro, todos tivemos mais tempo livre para ver coisas. Sei que já vamos tarde, mas agora que passou o Dia dos Reis, essa celebração racista, é altura ideal para não deixar passar em branco os melhores filmes de 2020.
5º Lugar
Salve Satanás?, de Penny Lane
Esqueçam Anton Lavay e Aleister Crowley. Estes satânicos não têm nada a ver, são de outra estirpe. São ateus, pacifistas e humanistas. Dirão vocês que isso é um paradoxo. É capaz de ser. Mas não é também um paradoxo que estados laicos tenham estátuas católicas nos parlamentos e orações parlamentares?
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4º Lugar
Mosquito, de João Nuno Pinto
2020 foi o ano em que houve um grande filme sobre a Primeira Guerra Mundial, passado em 1917, baseado nas aventuras do avô português do realizador. E houve também 1917. Mas Mosquito, o Apocalipse Now português, é mil vezes melhor e explora o racismo estrutural português enquanto mergulha no coração das trevas (estão a ver a referência a Conrad?) na guerra em Moçambique.
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3º Lugar
O Que Arde, de Oliver Laxe
De Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos, já diz o adágio popular. Mas a Galiza não é bem Espanha e até é mais portuguesa do que espanhola. É de lá, da nova vaga galega, que chega O Que Arde, filme que retrata um problema também muito recorrente aqui no burgo: os incêndios. Contudo, esse é apenas um pretexto para se falar de reinserção familiar, saúde mental e outras coisas sérias, como a desertificação do interior.
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2º Lugar
A Vida Invisível, de Karim Ainouz
A Vida Invisível é um épico brasileiro de grande fôlego, que vai buscar a tradição da telenovela da Globo e projecta-a sobre a sombra do melodrama clássico de Douglas Sirk. E cresce até dar 15 a 0 a qualquer um desses modelos. É ainda um melodrama feminista para derrubar o patriarcado. Para já, vai tentar convencer a Academia e sacar um Oscar. Depois, vai acabar com o mandato de Bolsonaro.
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1º Lugar
Honeyland – A Terra do Mel, de Tamara Kotevska & Ljubomir Stefanov
Honeyland – A Terra do Mel foi um pequeno fenómeno no final de 2019, com muitos prémios em festivais importantes, uma nomeação ao Oscar de melhor documentário e a presença na lista dos melhores do ano da Sara Galvão. Em 2020 acabou por ser despejado nas salas nacionais em pleno desconfinamento, quando estava tudo na praia a tentar respirar ar puro, depois de meses fechados em casa. Mesmo assim, foi o suficiente para nos lembrarmos dele e o colocarmos aqui, onde bem merece, no topo da lista dos melhores do ano. Honeyland – A Terra do Mel é um documentário sobre a última apicultora da Macedónia (a da antiga Jugoslávia, não a de legumes), que é a resposta balcânica ao Pedro Costa. E que esfrega na cara de Emir Kusturica o que são os ciganos sem o cigano-chique de que usa e abusa. Um filme trágico e uma parábola anti-capitalista incrível.
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FILMES QUE NÃO TIVERAM ESTREIA COMERCIAL EM PORTUGAL
Não costumo falar destes, mas estes dois são demasiado bons para ficarem esquecidos num limbo de não-estreias comerciais. Num ano em que o isolamento parecia vir a ser o tema do ano, eis que, do nada, dois pequenos e independentes títulos transformam a obsessão no principal tópico de 2020.
Menção Honroso #1
Butt Boy, de Tyler Cornack
Um tipo vai fazer o exame à próstata e tem uma epifania, ao descobrir todo um novo mundo de prazer. Rapidamente começa a enfiar coisas no cu: os brinquedos do filho, o comando de televisão, o cão(!) e… um bebé(!!). Eis o pior serial killer do cinema, que enfia pessoas no cu! A premissa é absurda, mas Butt Boy nunca perde a compostura e leva-s de forma bem séria até ao fim, em forma de policial. John Waters chamou-lhe um figo e disse que foi o melhor filme de 2020. Quem somos nós para duvidar?
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Menção Honrosa #2
Swallow, de Carlo Mirabella-Davis
Em Butt Boy, um tipo não consegue parar de colocar coisas no cu. Em Swallow, uma miúda não consegue parar de engolir coisas. A obsessão aqui tem é outros contornos. O trauma, a sexualidade, as expectativas sociais… Swallow é A Pianista, mas a engolir cisas.
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