Os broncos fartam-se de dizer na net que agora já não se pode dizer nada, que agora é tudo mimimi. Dantes é que era bom, podermos gozar com o caixa-de-óculos da turma, com o preto ou com o cigano e não acontecer nada. Hoje é que são todos flores de estufa, dantes era-se vítima de bullying e era só comer e calar. Bons tempos. O que interessa que o caixa-de-óculos da turma tivesse desistido mais cedo da escola por já não aguentar tanta humilhação? Ou que o preto tenha ficado com traumas que continua a tratar na terapia semanalmente? Ou que o cigano continue a ser segregado no sue dia-a-dia, reflectindo os meus sistemas de poder que se perpetuam em todos os níveis da sociedade? Dantes é que era bom, dizem os broncos.
Na verdade, dantes era diferente. Hoje em dia, uma maior consciencialização desses temas fracturantes (linda palavra que não significa nada) e a democratização da internet permitiu dar voz aos grupos minoritários ou historicamente diminuídos, trazendo para a agenda pública problemas que, por muitas vezes não nos afectarem directamente, não significa que não existam. E é precisamente isso que acontece a Vivian (Hadley Robinson), nos seus primeiros dias de escola do seu 11º ano.
A primeira coisa que a faz despertar para a emancipação feminina é a chegada à escola de uma miúda nova, Lucy (Alycia Pascual-Pena), que não só não aceita desaforos do menino-bonito (e pateta) do liceu (Patrick Schwarzenegger), como responde. A segunda coisa é descobrir o passado activista da mãe (Amy Poehler, que também realiza), que usa t-shirts das Sleater-Kinney e tem uma caixa cheia de posters, zines e bilhetes de concertos das Bikini Kill. Aliás, para um teen movie de 2021, Moxie tem uma banda-sonora que é um mimo: a banda de Kathleen Hanna como peça central, mas também os Gossip ou mesmo os Cansei de ser Sexy, ressuscitados do esquecimento.
No entanto, não se pense que Moxie é agit-prop ou qualquer coisa de panfletário. É apenas um teen movie, com mais coisas para dizer do que habitual. É a história de uma miúda que acorda para a vida e que, com o punk e as zines, leva consigo a escola toda, transformando-a num sítio melhor. Faz lembrar o Eleições, porque também tem um subplot importante sobre a eleição do desportista embaixador da escola, mas não é tão subversivo como um Heathers, por exemplo.
O grande trunfo de Moxie é que isto é suportado por personagens a sério, que têm coisas importantes para dizer, e não apenas por estereótipos. A única excepção aqui é o próprio Patrick Schwarzenegger, que assume o arquétipo do vilão. Isso permite ao filme apostar ainda com inteligência e de forma inesperada um trunfo a meio, quando joga a carta do racismo ásio-americano, que não poderia ser mais pertinente perante o que se passa no momento nos Estados Unidos. Mais infeliz é a cartada da violação, não por oportunismo, mas porque é um tema mais importante que precisa de um maior arcaboiço para não ser interpretado com ligeireza.
Contudo, tudo o que há para dizer, está em Moxie. Pode não ter grande profundidade, mas é um teen movie e serve como introdução ao tema. E isso, aliado à simpatia da sua realização, dos actores e do savoir faire de Amy Poehler, faz dele um muito respeitável McChicken. E faz dele um teen movie para colocar, de futuro, na mesma sacola dos clássicos.
Título: Moxie
Realizador: Amy Poehler
Ano: 2021