A actual pandemia provocada pelo novo coronavírus alterou muita coisa nas nossas vidas, mas uma das mais significativas foi a forma como passámos a encarar a população em geral. Peguemos num filme como Não Olhem Para Cima, por exemplo. Se tivesse estreado em 2019, antes da pandemia, vê-lo-íamos como uma paródia brega e pouco realista; agora, em 2021, é uma sátira bem na mouche do comportamento de massas, que nos relembra pela mil-e-uma vez que o senso comum não é assim tão comum quanto o nome indica.
Como qualquer filme-desastre que se preze, Não Olhem Para Cima começa também com um cientista a fazer uma descoberta avassaladora, mas a quem poucos vão escutar. A cientista é Jennifer Lawrence, que descobre que um cometa do tamanho do Monte Evereste se dirige em direcção à Terra e que o choque é inevitável. A vida Humanidade está em perigo e esta tem pouco mais de 6 meses para encontrar uma solução, nem que seja o Bruce Willis numa nave com uma bomba. O problema é que as coisas não se vão passar da forma que todos pensaríamos.
Primeiro, porque quem está no poder na Casa Branca é uma sucedânea de Donald Trump, uma Meryl Streep mais preocupada com as eleiçõeos intercalares que aí vêm do que com o fim do mundo. Depois, porque a comunicação social passou a ser uma feira de vaidades, onde a separação da grande artista do momento (Ariana Grande a fazer de… Ariana Grande) tem o mesmo valor mediático (o mesmo? que parvoíce a minha, tem mais, claro) do que o fim do Mundo. E, finalmente, porque há de aparecer em cena um magnata empreendedor e super-sensível (Mark Rylance a fazer incrivelmente do intragável Elon Musk) que explica a todos que o cometa é antes uma oportunidade incrível de negócio, só têm é que o deixar tomar conta das coisas, mais os seus drones, algoritmos e capitalismo galopante.
Não Olhem Para Cima dispara para todo o lado e não deixa ninguém passar incólume. E o mais assustador é que reconhecemos que todas aquelas situações poderiam muito bem acontecer em caso de um possível choque do nosso planeta com um cometa. Certamente que apareceriam os chalupas da internet a dizer que não havia cometa nenhum porque nunca ninguém viu uma fotografia dele, os maluquinhos dos chapéus de papel-de-alumínio arranjariam uma teoria da conspiração em que tudo não passaria de um plano maquiavélico dos illuminati e das elites do mundo e os instagramers, influencers e empreendedores (não são os três a mesma coisa?) lá achariam forma de lucrar com isto tudo (e com o trabalho braça e mal pago de terceiros). Por isso, Não Olhem Para Cima, mesmo sem deixar de ser uma comédia, acaba por ser mais realista e, portanto, de outro campeonato do que um Marte Ataca. Mas pode ser colocado na mesma prateleira de um outro filme que estreou este ano e que é outra sátira altamente ácida do mundo moderno – Cobiça.
Com uma estrutura coral cheia de nomes fortes (aos cientistas Jennifer Lawrence e Leonardo Di Caprio juntam-se a presidente Meryl Streep e o seu flho/chefe-de-gabinete Jonah Hill, o empreendedor Mark Rylance, os apresentadores de televisão Cate Blanchett e Tyler Perry, e até Thimotée Chalamet, que devia estar a passar no set e fez uma perninha também), o realizador Adam McKay coloca Não Olhem Para Cima na mesma esteira de outros filmes sobre acontecimentos reais que parecem a brincar, como Homens Que Matam Cabras Só Com o Olhar ou mesmo Argo. É verdade que este não é sobre um caso real, mas… poderia muito bem ser.
Não Olhem Para Cima tem graça muitas vezes e, apesar de se perder às vezes no meio desse formato em mosaico, é suficientemente eficiente para se levar sem fastio durante as suas mais de duas horas. Não se percebem algumas opções de realização de Adam McKay, quando faz umas montagens generalistas em que procura incutir um carácter universalista ao filme e que são momentos altamente genéricos e aleatórios, mas não é claramente aí que Não Olhem Para Cima sai a perder. Aliás, o McChicken até é bem capaz de corresponder à maioria das expectativas.
Título: Don’t Look Up
Realizador: Adam McKay
Ano: 2021