Actualmente temos visto os filmes portugueses a flirtar mais frequentemente com o cinema de género, mas em 2006, quando estreou Coisa Ruim, isso ainda era coisa rara. Por isso, o filme de Tiago Guedes e Frederico Serra criou algum buzz, abrindo inclusive a edição desse do Fantasporto (quando o Fantasporto ainda era relevante). Pela primeira vez o cinema português brincava aos filmes de terror. Quer dizer, não era bem a primeira vez, mas era como se fosse.
Coisa Ruim é uma história bem simples, acerca de uma família (pai, mãe, filha mãe solteira adolescente, filho pequeno e filho crescido) que se muda da cidade para o campo. Nessa pequena vila, os Monteiro vão chocar de frente com a superstição e a crendice, mas também com uma casa assombrada. Quer dizer, pode estar tudo na cabeça deles, mas é precisamente dessa dúvida que vive Coisa Ruim.
Contudo, o grande trunfo de Tiago Guedes e Frederico Serra é a portugalidade. É que esta, apesar de ser uma história vista ene vezes no cinema de terror, vai casar com a tradição e o folclore do interior português de raiz pagã. No fundo, é o Portugal real, aquele que não tem nada a ver com o (pseudo)cosmopolitismo de Lisboa e do Porto. É por isso que Coisa Ruim funciona. E por isso, mais recentemente, vimos Tiago Guedes a repetir a dose, com os caretos e como estes fazem parte da nossa identidade nacional profunda, em Restos do Vento.
Além da família Monteiro, há uma personagem fundamental em Coisa Ruim: a casa da aldeia para onde se mudam. Aliás, é sempre assim em qualquer filme de casa assombrada. Esta é uma daquelas casas que guarda estórias que esperam por uma intervenção no mundo terreno para que certas alminhas possam gozar a eternidade descansadamente. Por isso, a mãe (Manuela Couto) e os três filhos (Sara Carinhas, Afonso Pimentel e João Santos) vão começar a experienciar algo que não sabem explicar muito bem.
Coisa Ruim é também um filme sobre o medo: o medo perdido na história portuguesa, o medo das superstições e tão incrustrado no interior do país e o medo do desconhecido. Não é só uma coisa ruim que cresce naquela casa abandonada; é o medo de uma população habituada aos exorcismos do padre, é o medo de uma família da cidade pouco habituada a lobisomens e histórias da carochinha e é o medo daquelas pessoas perante os estranhos que vêm de fora. Daí que o padre (João Pedro Vaz), também ele um céptico, seja o porto de abrigo daquela gente, oferecendo segurança e conforto, mas também racionalidade a um mundo demasiado supersticioso.
É uma história banal, mas bem contada (apesar de, por vezes, apressar e se atrapalhar no build up) e (pasme-se) em português, o que nos faz parecer estar a vê-la pela primeira vez. Só é pena a banda-sonora, completamente desfasada do filme, que parece importada directamente de uma qualquer sitcom televisiva. Falta aqui uma trilha sonora mais ambiental, para criar atmosfera e maior desconforto. Seja como for, este é um dos grandes McBacons do nosso cinema, até mesmo em termos simbólicos. E até há uma cena com freiras a masturbarem-se… Não há nada como o nunexploitation!
Título: Coisa Ruim
Realizador: Tiago Guedes & Frederico Serra
Ano: 2006