A Gata Borralheira é o filme da Disney que personifica tudo aquilo que é o ADN da empresa do Rato Mickey. Afinal de contas, é o conto de fadas de princesas, reinos encantados e príncipes charmosos por definição, que emula todos os valores que associamos imediatamente à Disney. Quando estreou, em 1950, A Gata Borralheira não só salvou a empresa de uma iminente falência, como lançou os dados para aqui que viria a tornar-se e consolidar-se num dos maiores impérios da indústria do entretenimento.
Por isso, se havia filme que fazia sentido a Disney transformar em imagem real era precisamente esse. Só admira não ter sido logo o primeiro dessa leva de adaptações live action que a empresa continua a levar a cabo dos seus clássicos. Primeiro, porque é a história de princesas (atenção ao itálico do artigo definido); segundo, porque não há antropomorfizações que exijam o CGI fajuto de um O Rei Leão, por exemplo (há os ratos e Lúcifer, o gato, mas não são propriamente essenciais à história); e, terceiro, porque Maléfica (a versão má de A Gata Borralheira) foi um sucesso.
Cinderela não só adapta A Gata Borralheira à imagem real, como estende mais um pouco um filme que era, originalmente, muito curto. Para isso acrescenta com mais detalhe a origem da própria Cinderela (Lily James), explicando inclusive o porquê desse nome e estica todas as restantes cenas. Só não se entende porque elimina a componente musical, já que essa também faz parte do ADN da Disney.
Mas, com tudo isso, Cinderela torna-se ainda mais preto e branco. É certo que A Gata Borralheira já é uma história clássico do triunfo do Bem (o Bem enquanto manifestação dos bem-aventurados de coração) sobre o Mal (o Mal enquanto manifestação de tudo o que é inveja, crueldade e mesquinhez), mas aqui é tudo ainda mais sublinhado a traço grosso. Como se, para a redenção de Cinderela ser total, as privações terem de ser o mais duras possíveis. É uma visão extremamente cristã, com ênfase nessa raiz judaico-cristã do sofrimento e da dor enquanto (único) caminho para a salvação.
Contudo, o que surpreende mesmo em Cinderela é o anonimato do cinema de Kenneth Branagh, homem habituado ao artifício do teatro, mas que aqui soçobra completamente sobre a opulência e o barroquismo da história, dos cenários e de tudo o resto. E depois há Cate Blanchett, numa decisão de casting que parecia perfeita para o papel da madrasta má (que, em potencia, é toda ela uma bruxa). O filme não lhe dá absolutamente nada onde se apoiar e o que sobra é uma Cate Blanchett em absoluto modo de piloto automático. E, mesmo com esta desilusão imensa sob a forma de Cheeseburger, Cinderela continua a ser uma das melhores adaptações live action da Disney desde que começaram essa demanda totalmente desnecessária.
Título: Cinderella
Realizador: Kenneth Branagh
Ano: 2015