É um exercício interessante recuar 25 anos e ir ver os primeiros filmes de Wes Anderson, quando era um jovem e promissor realizador, ainda antes de ser levado nas palminhas de toda a gente e de se ter tornado ícone pop no Instagram. Gostam Todos da Mesma, o seu segundo filme, datado de 1998, já tinha vários sinais que viriam a tornar-se pilares do seu cinema ou elementos reconhecíveis do seu corpo de obra.
Gostam Todos da Mesma pode ser um filme mais livre, mas já está lá o formalismo do seu cinema (que está cada vez mais rígido) e a atenção à mise-en-scene (se bem que ainda sem o detalhe minucioso). Está lá também a banda-sonora, tão nostálgica quando pouco usual, e a influência da banda-desenhada, nem que seja nas personagens que nunca trocam de roupa (se bem que não chega ao cúmulo de Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial). E depois há as referências pontuais a Jacques Costeau, a paixão pelo teatro (nos últimos filmes, Anderson tem inserido o teatro no próprio dispositivo fílmico, mas aqui é só uma encenação de escola do Serpico(!), que funciona como um filme dentro do filme) e o tom sério a brincar, que é uma marca registada de Roald Dahl (e de quem o próprio Anderson se tornou no realizador oficial).
Gostam Todos da Mesma é um filme de liceu, numa daquelas universidades das elites, mas com raízes que vão muito mais além dos limites do género. E Max Fischer (o então debutante Jason Schwartzman) é o principal protagonista, um jovem tao genial quanto calão. É que, apesar de estar envolvido num ene de actividades extra-curriculares (editor-chefe da revista da escola, fundador da Sociedade de Astronomia, capitão da equipa de debate, presidente do clube de Francês, presidente do clube de Caligrafia, presidente dos apicultores de Rushmore, co-fundador da sociedade dos lançadores de papagaios, vice-presidente do clube de moedas e selos, treinador da equipa de lacrosse, segundo maestro no coro da escola, cinturão amarelo no clube de kung-fu… uff), Max Fischer está prestes a ser expulso por más notas. Entretanto, vai desenvolver uma amizade cúmplice com o ricaço Bill Murray (desapontado com os filhos gémeos brincos, projecta naquele jovem todos os seus desejos não realziados) e, depois, uma paixão platónica por uma nova professora (Olivia Williams). O pior é que esse triângulo também vai evoluir romanticamente, se em que a tradução portuguesa do título do filme não necessitava de ser tão reveladora.
Gostam Todos da Mesma é assim uma espécie de versão mais seca do Doidos Por Mary, se bem que o que realmente interessa aqui é o coming of age. E Wes Anderson fa-lo com mais crueldade e com aquele seu espírito muito peculiar (espírito como em wit), que se projecta tão bem em Schwartzman e, especialmente, em Bill Murray. Aliás, este é mesmo um dos títulos que compõem a trilogia sagrada da cinematografia de Murray, juntamente com Lost in Translation – O Amor é um Lugar Estranho e Broken Flowers. Gostam Todos da Mesma é uma óptima porta de entrada no cinema de Anderson, apesar de ele ter melhor do que este McBacon.
Título: Rushmore
Realizador: Wes Anderson
Ano: 1998