| CRÍTICAS | Os Caça-Fantasmas

O início de Os Caça-Fantasmas é digno dos melhores cânones do cinema de terror. Com um plano bastante racional e geométrico, à la Kubrick, a câmara avança num lento travelling atrás de uma bibliotecária, por entre as estantes cheias de livros, à medida que os livros vão voando atrás de si e saltando para o chão por ordem do espírito santo. A coisa desenrola-se com um suspense trágico e um je ne sais quoi de operático, que nos faz lembrar Dario Argento. No entanto, quando a tensão explode, ouvem-se sintetizadores manhosos e voamos para o centro de um vórtice que nos liga directamente aos maravilhosos anos 80, década de xungaria exacerbada onde tudo foi possível, uma vez que a noção de ridículo esteve dormente.

Os Caça-Fantasmas é a prova de que um filme é o reflexo do seu realizador e da forma como é filmado. Ou seja, o mesmo argumento e a mesma história podem ser dirigidas de forma completamente distintas, consoante a forma como é colocada a câmara, feito os enquadramentos ou, simplesmente, utilizada a banda-sonora. Basta ver aqueles trailers falsos que circulam pelo fantástico mundo do youtube, sobre uma assustadora Mary Poppins (genial) ou um catita e familiar Shining. Quero dizer com isto que Os Caça-Fantasmas tem algumas das melhores cenas de filmes de fantasmas que o cinema já produziu, mas o facto de vir embrulhado em patetice feelgood fazem-no ser bastante subvalorizado.

No entanto, é fácil perceber essa subvalorização, uma vez que Os Caça-Fantasmas sofre de vários estigmas: o tal de ter todos os clichés dos anos 80; e o facto de ter sido um êxito de bilheteira. Tudo motivos para o olharmos com desconfiança. Além disso, a versão original chegou cheia de ligeiros buracos no argumento (a maioria no relacionamento e desenvolvimento das suas personagens), que apenas as cenas cortadas na edição especial em DVD deixam perceber na totalidade. Contudo, mesmo sem a atmosfera correcta, Os Caça-Fantasmas não deixam de ser uma variação dos filmes de monstros, percursor do Godzilla e antecessor de Nome De Código: Cloverfield (mas com um simpático boneco de marshmallow em vez de uma criatura pré-histórica e/ou de outro mundo).

Mas comecemos pelo início: Os Caça-Fantasmas é um misto de filme de fantasmas e filme de ficção-científica (daqueles dos anos 50, em que todos os pormenores técnicos eram explicados detalhadamente para gáudio dos geeks e nerds), escrito e intepretado por alguns dos nomes mais sonantes da comédia norte-americana nos anos 80 (Eddie Murphy foi convidado mas não aceitou, assim como John Candy, enquanto que John Belushi morreu entretanto). Escrito para ser um franchising em dois tomos (a terceira sequela está, contudo, prevista estrear em breve), Os Caça-Fantasmas começa por nos introduzir três cientistas do paranormal (genial Bill Murray, com aquele seu estilo passivo, mas sempre demasiado ácido para o seu próprio humor, mais Dan Aykroyd e Harold Ramis), que criam uma empresa de resolução de casos paranormais. Os três (mais Ernie Hudson, porque todo o herói colectivo tem que ter um membro preto) vão acabar por salvar o mundo do regresso do deus destruidor Gozer, evocado por uma Sigourney Weaver possuída e extremamente sexy.

Apesar de ser a típica comédia dos anos 80, Os Caça-Fantasmas soube envelhecer bastante bem, sendo ainda hoje bastante actual. O truque é não ser demasiado ingénuo, como aquele seu primo afastado: O Menino De Ouro. Quem não soube envelhecer tão bem foi Sigourney Weaver, que, na sequela, apenas cinco anos depois, já parecia uma velha com pouca a ver com o símbolo sexual daqui. Sinal positivo ainda aos efeitos-especiais, em mais uma grande demanda pré-CGI, que culmina com o ataque a Nova Iorque do tal boneco de marshmallow gigante, numa evocação das destruições deo Godzilla. Mas aqui não há ameças atómicas subliminares, apenas um McBacon que, por vezes, é incompreendido. Para o bem e para o mal.

Título: Ghostbusters
Realizador: Ivan Reitman
Ano: 1984

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