O advento do digital e as possibilidades múltiplas da internet vieram abrir as portas a um sem-número de oportunidades no cinema, que ainda parecem estar a ser pouco aproveitadas, especialmente em Portugal. Mudar de Vida é uma das excepções que parece confirmar essa regra, ao ter sido financiado por crowdfunding, tendo garantido inclusive distribuição comercial.
Mudar de Vida vem colmatar uma lacuna importantíssima na cultura popular portuguesa, ao contar a vida e obra de José Mário Branco, vulto incontornável da música nacional, mas também do activismo político. Como o próprio subtítulo do documentário indica, a agenda é simples: falar sobre o homem e a sua obra, desde o início até aos dias de hoje.
O documentário inicia-se com José Mário Branco, na actualidade, a interpretar o Mudar de Vida ao vivo e depois recua ao início de tudo, contando a sua história até ao preciso momento em que sobe ao palco para aquela actuação. Pelo meio, é o próprio José Mário o narrador, complementado pelos testemunhos de outros amigos e companheiros: Luís Cília, Francisco Fanhais, Sérgio Godinho, Camané, etc.
Com uma organização certinha e arrumada, Mudar de Vida tem nas imagens de arquivo o seu trunfo mais forte, com os realizadores a fazerem um excelente trabalho de casa. E ao vermos as imagens no exílio, da bidonville francesa, ou o regresso de José Mário e respectivos companheiros ao aeroporto da Portela, acabamos mesmo por nos emocionar. De resto está lá tudo: o Partido Comunista, o salto, o GAC, a Comuna e ate a actividade mais recente, junto do Bloco de Esquerda ou do jornal Mudar de Vida.
Dando mais atenção a esse assumido caderno de encargos do que a qualquer pretensão cinematográfica, Mudar de Vida alcança sem problema os objectivos propostos. E além disso, ainda faz outro círculo perfeito, provavelmente involuntário: ao terminar com as imagens da manifestação dos Indignados, o filme faz uma rima muda com o Estado Novo e as imagens do 25 deAbril, dando um renovado significado à máxima resistir é vencer e mostrando como a história se repete. Um McBacon mais do que merecido, até porque sem José Mário Branco não teria havido dois dos melhores discos de Zeca Afonso.Título: Mudar de Vida: José Mário Branco, Vida e Obra
Realizador: Pedro Fidalgo & Nelson Guerreiro
Ano: 2015