Vamos ser sinceros: nem todas as séries de comédia podem ser o Seinfeld ou o Calma, Larry. Não podem todas ao mesmo fazer-nos rir e servirem de referência moral das nossas vidas. Nem acho, aliás, que seja justo exigir de séries que o façam. Um punhado delas conseguiu-o mas elas são anomalias, fenómenos do Entroncamento que não podem nunca ser verdadeiramente compreendidos. Por isso, a verdadeira medida de uma série de comédia deve ser apenas uma: tem ou não tem piada? Mas num mundo em que uma série como A Teoria do Big Bang é o quinto programa de televisão mais visto dos EUA temos de concluir que ter piada não é um requisito propriamente necessário para uma sitcom de sucesso.
Santa Clarita Diet é a nova série do Netflix e faz rir. Faz até mais do que isso. Faz rir a bandeiras despregadas ao mesmo tempo que nos faz sentir nojo, vergonha, surpresa e, no fundo, faz-nos pensar um bocadinho, o que também não faz mal nenhum. A premissa é simples: a vida de uma família de marido e mulher (agentes imobiliários) e filha é virada do avesso quando, sem se perceber bem como, a mulher se transforma num zombie que só come carne humana. A partir daí, a série é uma espécie de viagem fascinante pelo mundo da estranheza que mistura canibalismo, homicídios, assédio, vida suburbana, infidelidade, angústia adolescente, angústia de meia idade, angústia de terceira idade, corrupção na polícia…
O melhor desta série é a forma como, em vez de obliterar o esquisito e os pormenores que dificultam a escrita de um guião de zombies canibais com consciência, abraçam-nos e usam-nos para fazer piadas que nunca ouvimos (coisa que vem sendo bastante rara em sitcoms). Ao mesmo tempo é difícil não pensar na forma como a série retrata uma mulher suburbana de classe média que se emancipa, que ganha autonomia, que ganha vida quando se transforma num zombie. É um retrato cínico de uma classe média que parece viver numa espécie de torpor alimentado de rotina e o ocasional escape inconsequente.
É claro que não é fácil manter este tipo de comédia durante muito tempo e, a certa altura, na recta final, os episódios parecem perder um pouco do fulgor privilegiando o avanço do enredo em detrimento da comédia. E é também verdade que quando se metem adolescente ao barulho, é difícil evitar todos os clichés que parecem atrair os guionistas como sereias de cada vez que estes tentam abordar relações parentais. No entanto, a escrita (que poderia ser classificada de comédia hardcore) e as prestações de Drew Barrymore e (principalmente!) de Timothy Olyphant compensam as falhas e equilibram a série para nos darem, finalmente, uma boa sitcom light cómica que não insulte a nossa inteligência.