Confesso que estava com medo de ir ver T2 Trainspotting. Primeiro porque toda a gente sabe que não se deve voltar onde fomos felizes e esta continuação do Trainspotting vinte anos depois (mesmo tendo Irvine Welsh escrito uma sequela ao livro inicial) tinha todo o ar de ser apenas um aproveitamento desavergonhado de uma indústria que anda perdida entre remakes, sequelas e prequelas de tudo o que mexe. E depois porque o próprio Danny Boyle teve o descaramento de lhe chamar T2, quando é mais do que sabido que esse é o título informal do melhor filme de todos os tempos.
T2 Trainspotting é então a sequela vinte anos depois de Trainspotting, o filme icónico que marcou uma geração. Duas décadas depois reencontramos as mesmas personagens: Renton (Ewan McGregor) regressa à sua Escócia natal depois de ter fugido para Amesterdão, Spud (Ewen Bremmer) continua agarrado ao cavalo, Simon (Jonny Lee Miller) vai vivendo de golpe em golpe (e snifadela em snifadela) e Begbie (Robert Carlyle) continua preso a sonhar com o dia em que vai poder vingar-se de Renton. O reencontro vai leva-los a um novo golpe e, como no primeiro filme, já sabemos que primeiro surge a oportunidade e depois a traição.
No entanto, mais do que qualquer outra coisa, T2 Trainspotting é um filme sobre a passagem do tempo. Sobre aquele grupo de (ex)carochos, que abriam Trainspotting a provocar-nos com o niilismo adolescente do choose life (que se tornaria lema de uma geração) e que depois trocavam tudo pelo hedonismo da heroína e que, agora, vinte anos depois, actualizam o monólogo para um choose a zero hour contract, a two hour journey to work and choose the same for your kids, only worse. Mas é também sobre nós, sobre o que fizemos da nossa vida, sobre os sonhos que comprometemos e sobre as expectativas que saíram furadas. Como se parássemos para observar a big picture da nossa vida, como em Os Amigos de Alex, e aquelas personagens não fossem mais do que um simulacro da nossa vida.
E é aqui que Danny Boyle ganha o filme, ao manipular a nostalgia em favor de T2 Trainspotting. Boyle percebe que não poderia repetir o mesmo filme, mas que ninguém o iria perdoar se fizesse outra coisa diferente e é neste compromisso que encontra a forma certa de montar esta sequela. Existem várias referências ao filme inicial (desde uma sanita toda porca numa discoteca à utilização das imagens do primeiro filme ou mesmo ao curto reprise de Kelly Macdonald), mas que são sempre mais piscadelas de olho do que manipulação sentimentalóide dos nossos sentimentos. Até porque bastam os primeiros segundos da batida do Lust for life para nos fazer salivar, qual cão de Pavlov, do que a canção toda. E Danny Boyle sabe sempre controlar este sentimento, nunca caindo na tentação fácil de utilizar os trunfos do filme original.
T2 Trainspotting é assim uma sequela digna, capaz de viver por si só, sem necessitar do Trainspotting inicial, mas que não o nega e até o actualiza. E este compromisso é o melhor do filme, que volta a ter uma banda-sonora em condições e a ter Danny Boyle a abusar daquele estilo epiléptico, que se tornaria no género oficial de todos os telediscos da MTV e dos anúncios de televisão ditos cool. No entanto, depois de nos habituarmos a este estilo, tudo o resto rola suavemente. E o McRoyal Deluxe prova que, às vezes, podemos regressar onde fomos felizes sem medo.Título: T2 Trainspotting
Realizador: Danny Boyle
Ano: 2017