| CRÍTICAS | Atlantic City, USA

Os filmes de casino são um sugénero pouco valorizado na sétima arte e que mereciam um pouco mais de atenção. Apesar de não haverem muitos títulos sobre o tema, a maioria sobressai claramente acima da média. O homónimo Casino é claramente o exemplo mais óbvio, mas Croupier é bem interessante e este Atlantic City, USA merecia ser mais recordado do que é nos dias de hoje.

Atlantic City é uma espécie de primo pobre de Las Vegas, o recreio dos Estados Unidos. E na viragem para a década de 80, era uma cidade decrépita, semi-abandonada e semi-arruinada, que sobrevivia apenas dos casinos, onde se encenavam cenários faustosos que escondiam o que se passava do lado de fora, ao mesmo tempo que desesperados tentavam um one last shot que lhes permitissem a fortuna fácil. Por isso, as imagens reais de grandes empreendimentos imobiliários a serem demolidos não são meramente ilustrativos.

Atlantic City é, portanto, a personagem principal do filme e todos os outros personagens são uma espécie de reflexo seu mais ou menos distorcido. Burt Lancaster é um gangster que não tem onde cair morto e que vive do jogo do bicho ilegal que gere a cêntimos, do alto do seu único fato que engoma com critério todas as manhãs. Ao mesmo tempo, Lancaster vai cuidando de Kate Reid, acamada no andar de baixo por entre tralhas e quinquilharias que procuram demonstrar classe, mas que são só kitsch. E na janela em frente vive Susan Sarandon, uma jovem que Lancaster observa diariamente semi-desnudada, que está a tirar o curso de croupier e sonha com uma vida faustosa no Mónaco, que lhe permita fugir daquela cidade em ruínas – literalmente – e da sua vida ruinosa – figurativamente.

A vida destes três vão-se cruzar quando o ex-marido e a irmã de Sarandon regressam à cidade, depois de um golpe com droga que colocou uns traficantes no seu encalço. Lancaster vai ver ali o seu last shot – o mesmo que os clientes dos casinos procuram para escapar ao seu fado de pobreza -, vivendo os últimos dias de glória; e Sarandon poderá ter ali o seu bilhete para uma vida melhor, bem longe dali. Para ambos, o concretizar dos seus sonhos só poderá acontecer longe de Atlantic City. Mas conseguirão ambos abandonar a cidade que, afinal, faz mais parte deles do que eles dela?

Louie Malle, cineasta mais ou menos esquecido que apenas parece ser valorizado pelo eterno Roger Ebert, foi o realizador que melhor sobre cruzar o cinema de autor europeu e o cinema de entretenimento americano. Atlantic City, USA – que revelava uma jovem Susan Sarandon e, simultaneamente, era o último grande papel de Burt Lancaster – fora nomeado para as cinco principais categorias do Oscar e não ganharia nenhum. Ficava assim condenado a ser esquecido lentamente, um pouco como a própria cidade de Atlantic City. O que, para um filme com tantas correspondências mais ou menos simbólicas, não deixa de ter a sua graça. Não consigo é arranjar nenhuma metáfora para o McBacon que saca para casa.Título: Atlantic City, USA
Realizador: Louie Malle
Ano: 1980

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