Em plena euforia de sequelas, prequelas, remakes e reboots, este novo capítulo da série Mad Max tinha desde logo à partida uma vantagem perante outros franchises semelhantes: o da credibilidade do seu criador e mentor, George Miller, que 30 anos depois regressava para dar continuidade ao solitário cavaleiro da estrada pós-apocalíptico. Afinal de contas, desde que completara a trilogia em 1985, com Mad Max 3 – Além da Cúpula do Trovão, George Miller apenas fez uns desenhos-animados, o porquinho Babe e um par de filmes anónimos de que ninguém se lembra. É como se tivesse estado a guardar-se todo esse tempo para este filme. E é por isso que depois, pormenores como o facto do vilão de Mad Max – Estrada da Fúria ser Hugh Keays-Byrne – o mesmo do inicial Mad Max – As Motos da Morte – são especiais e fazem mais sentido.
Trinta anos depois, George Miller regressa ao franchise e decide apenas reciclar o que de melhor a trilogia anterior teve. Primeiro, o ambiente: o cenário árido pós-apocalíptico, meio steampunk, meio gangues-em-Nova-Iorque-nos-anos-80, que se tornou no molde para grande parte dos filmes pós-apocalípticos posteriores (apesar de Um Rapaz e o Seu Cão terem uma importância fundadora decisiva); a perseguição pelo deserto fora de Mad Max 2 – O Guerreiro da Estrada; e a violência hiper-estilizada e gráfica, que fazem as delícias de qualquer série b.
Tom Hardy substitui Mel Gibon no papel de Max Rockatansky, mas aqui o grande protagonista é mesmo Charlize Theron. Aliás, Mad Max – Estrada da Fúria é um filme cheio de girl power, sem ter que forçar qualquer feminismo forçado. Charlize Theron e Tom Hardy vão unir forças numa fuga mais ou menos planeada, em que a primeira raptou as melhores parideiras do tirano Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) e, a bordo de um camião-cisterna quitado (olá Mad Max 2 – O Guerreiro da Estrada), vai ter que escapar a uma frota infinita de perseguidores.
Depois de um prólogo breve, entramos a alta velocidade nessa perseguição pelo deserto fora que só parará duas depois, no final do filme. Mad Max – Estrada da Fúria é um survival movie sobre rodas e a cem à hora, que não dá descanso e que nos tira o fôlego. E George Miller marca o ritmo como ninguém: com coreografias altamente estilizadas, cheias de explosões, acidentes e capotanços; cenários brutais, entre o deserto, o pântano e uma enorme tempestade de areia – e um plano magnífico que alia o surrealismo de Dali ao expressionismo noir de um filme como A Sombra do Caçador; e um bodycount altíssimo, cheio de gore e mais sangue do que era (aparentemente) necessário.
Mas George Miller sabe que a importância está nos pormenores e é isso que faz a diferença. O veículo cheio de tipos a tocar tambor e encimado por um guitarrista a fazer schredding (e com uma guitarra que cospe fogo(!) só porque sim) é o mais valioso. Além de ter muito estilo, ajuda a marcar o ritmo, como os percussionistas nas galeras romanas. Podemos ainda olhar para o próprio Immortan Joe e ver, na sua máscara, semelhanças com o Predador, mas também no seu aspecto asqueroso influências do imperador gordalhão de Duna – outro filme em que, curiosamente, a água assume um papel central pela sua escassez. A importância está nos detalhes…
Perante isto, podemos pensar que, apesar da forma, o conteúdo de Mad Max – Estrada da Fúria é oco. Só que não. E é aí que George Miller ganha o filme. Mad Max – Estrada da Fúria segue um arco narrativo mais ou menos clássico, em que não se atropela nem se atafulha com subplots desnecessários, como a maioria dos blockbusters que assistimos hoje em dia. E até a Academia reconheceu isso, com uma série de nomeações ao Oscar, incluindo a de melhor filme. Infelizmente, não existe ainda o Oscar para melhor filmaralhão e, por isso, Mad Max – Estrada da Fúria não venceu. Mas sacou um Royale With Cheese que é bem mais valioso que qualquer estatueta dourada que se parece com o tio da outra.
Título: Mad Max: Fury Road
Realizador: George Miller
Ano: 2015