Não deixa de ser impressionante como é que Louis C.K. passou de uma das personagens com maior crédito no star system para uma das mais ostracizadas, após se ter confirmado o escândalo sexual do qual era acusado. I Love You, Daddy, que é a sua estreia enquanto realizador, caiu em queda livre assim que a bomba lhe rebentou nas mãos, e apenas em Portugal(!) teve estreia comercial (vai-se lá saber porquê). Tudo isso demonstra como a emancipação feminina num universo tradicionalmente masculino (e machista) tem ganho força desde a queda de Harvey Weinstein. E só temos que aplaudir. Esperemos que este ano que agora começa continue assim e que Rui Tavares tenha razão, ele que diz que viu 2018 e que o mundo vai ser das mulheres.
Posto isto, não deixa de ser triste ver Louis C.K. envolvido nestas coisas, no típico caso do faz o que digo, não faças o que eu faço. Porque nos habituámos a concordar com os seus números de stand up comedy, habitualmente extremamente lúcidos, razoáveis e sensatos. Além disso, há a eterna discussão se devemos/podemos admirar a obra do artista, independentemente do comportamento do homem (e mesmo sabendo que um e outro são indissociáveis). Por isso, chutemos essa discussão para canto e vamos lá a I Love You, Daddy.
Na sua primeira experiência cinematográfica, Louis C.K. mantém-se igual a si próprio e às temáticas que habitualmente o acompanham nos seus números de comédia. I Love You, Daddy é a história de Glen (o próprio Louis C.K.), um bem-sucedido argumentista televisivo, e da sua relação com as mulheres da sua vida: com a ex-mulher (Helen Hunt), com a nova amante que contrata para a sua nova série aparentemente apenas por causa da relação (ou possível) relação entre ambos (Rose Byrne), a sua assistente (Edie Falco) e, sobretudo, a sua filha adolescente (Chloe Grace Moretz) que, a poucos meses de completar a maioridade, se envolve com o velhote realizador de quem é fã absoluto, Leslie Goodwin (John Malkovich em modo sábio-zen, que faz com uma perna às costas).
É um filme com poucas ideias de cinema, mas as que tem são claramente inspiradas por Woody Allen (e, sobretudo, por Manhattan), com o preto e branco, a banda-sonora orquestral (demasiado omnipresente, diga-se) e Nova Iorque como pano de fundo. Por isso, não é de admirar que, quando foi divulgado pormenores sobre o filme, se tenha encontrado paralelismos entre a personagem de John Malkovich e a de Allen. Afinal de contas, quantos realizadores conhecemos, dos quais Louis C.K. seja fã, que tenham relações com mulheres mais novas? E, no entanto, após o escândalo sexual, tudo ganhou uma nova leitura. Agora é impossível ver I Love You, Daddy e a sua reflexão sobre vida privada e vida pública, assim como a dicotomia entre obra de arte vs comportamento do artista, e não pensar no caso real do próprio Louis C.K. E tudo isso dá um lastro extra ao filme que o leva ao fundo.
Já vimos Louis C.K. falar destas coisas, se bem que I Love You, Daddy parece não dar tantas respostas, preferindo deixar as ideias para o espectador. E, como um trabalho de Woody Allen, é um filme em que a diferença entre ser bom e ser mau é… nenhuma. Mas já nos rimos mais com Louis C.K. e já lhe demos mais razão. Pode ser que o Double Cheeseburger ganhe com o distanciamento temporal daqui a uns aninhos.
Título: I Love You, Daddy
Realizador: Louis C.K.
Ano: 2017