| CRÍTICAS | Wristcutters: A Love Story

Segundo A Divina Comédia, de Dante, o inferno é um espaço constituído por nove círculos, estando o sexto reservado a, entre outros, quem se suicidou. Segundo a descrição do poeta italiano, que viajou pelo inferno e pelo purgatório até ao paraíso, os violentos contra si mesmos são transformados em árvores como castigo. Ou seja, o inferno de Dante não podia ser mais diferente do de Goran Dukic, em Wristcutters: A Love Story, filme que, inexplicavelmente, passou pelo nosso país directamente para dvd, enquanto que carradas e carradas de lixo continuam a entupir as salas de cinema.

Em Wristcutters as pessoas que se suicidam vão parar a um inferno que é uma reprodução igualzinha das coisas sem graça do nosso mundo. É como um enorme planeta de subúrbios, com fábricas, poluição e gente cinzentona, onde não há sorrisos, flores, pássaros a cantar e felicidade. É nesse cenário deprimente que vai parar Zia depois de cortar os pulsos (Patrick Fugit), Eugene (Eugene a emular Eugene Hütz, o vocalista dos Gogol Bordello, banda incluída na banda-sonora e num cameo) e Mikal (Shannyn *suspiro* Sossamon), que está ali por um (aparente) engano técnico.

Apesar de estarem condenados aquela vida pasmacenta, com medo de se suicidarem não vá irem parar a outro sítio ainda mais deprimente, os três vão embarcar num road-movie com objectivos distintos, mas com um fim comum: arrependerem-se da última decisão que tomaram quando eram vivos e darem um sentido às suas existências miseráveis. Claro que tudo isto é embrulhado no leitmotiv habitual, o amor, que neste caso é bem assumido e escarrapachado no subtítulo e tudo.

Wristcutters é um filme que passa ao lado de quase tudo o que estamos habituados a ver e, por isso, é difícil de catalogar. Goran Dukic dá-lhe um ar pesadão e denso, tirando da nossa cabeça qualquer ideia de suicídio, não vá aquilo ser verdade e a gente ir parar a um sítio assim. Já vimos ambientes fantasmáticos semelhantes, em filmes como Northfork ou Enterrado Na Areia, mas nunca com estes laivos de comédia negra (olá manos Coen) e um lado burlesco, dado pela presença balcânica de Eugene e da sua música, que faz lembrar um filme do Kusturica encharcado em valium.

Para verem como o filme é surreal, desvendo alguns elementos que certamente vos farão despertar a curiosidade. Por exemplo, o que pensará se eu lhe disser que o carro onde os três amigos vão embarcar na sua aventura tem um buraco negro debaixo do banco do pendura? Sim, um buraco negro daqueles que engolem coisas e tal. E depois se eu disser que tem o Tom Waits, mais uma vez numa personagem mais elevada (estou-me a lembrar da sua presença como oráculo em Dominó), como dono de um parque de campismo de milagres em busca do seu cão perdido?

Pois é, Wristcutters roça a perfeição sem precisar de dizer muito. Só é pena é o final, um daqueles que é capaz de arruinar por completo um filme, encostando-se à muleta mais preguiçosa de todas: uma variação daquela coisa que é o ah e tal, isto é tudo muito esquisito e agora para o explicarmos vamos dizer que foi tudo um sonho. É como nos espetarem os dedos nos olhos e nós deixarmos. Malditos! Troco o Royale With Cheese pelo Le Big Mac, se faz favor.

Título: Wristcutters
Realizador: Goran Dukic
Ano:

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