Em Doidos por Mary, Cameron Diaz diz – e passo a simplificar – que o homem da sua vida teria de ser arquitecto, possuir uma casa no Nepal e ter como filme favorito Ensina-me a Viver, a maior história de amor do cinema. Pois bem, se a personagem de Diaz fosse real, a este escriba só faltava uma ida a uma imobiliária nepalesa para se tornar num forte pretendente.
Harold (Bud Cort) é um jovem de 17 anos soturno e misterioso com uma estranha obsessão pela morte, que gosta de espreitar funerais e de simular suicídios para chamar a atenção da sua mãe, uma socialite demasiado preocupada com o chá das cinco. Maude (Ruth Gordon) é uma anciã de 79 anos, alegre e vivaça, que também gosta de espreitar funerais, mas antes pela estranha obessão que nutre pelo ciclo da vida. Como considera a morte uma parte integrante da vida, frequenta os funerais com roupas de cores alegres e um guarda-chuva amarelo. Juntos vão construir uma relação de amizade e amor, que vai quebrar tabus e preconceitos.
Ensina-me a Viver é um filme bizarro e, ao mesmo tempo, uma fantástica história de amor, fresca e descontraída, que consegue abordar temas tão complexos como a vida e a morte, através de uma relação com uma forte componente sexual implícita. Além disso, desconstrói ainda tabus políticos, com uma Maude a combater ideais à sua maneira, depois de uma adolescência de activismo e perseguição (revelada por um subtil plano que revela um número tatuado no seu antebraço).
Mas Ensina-me a Viver é sobretudo uma revelação espiritual; Harold vai descobrir a vida com a experiência de Maude, uma mulher cuja idade já lhe ensinou que a vida são dois dias e por isso não vale a pena afeiçoar-nos a objectos físicos e superficiais. Devemos saborear os pequenos prazeres da vida em vez de nos preocupar com o que os outros pensam de nós. Não devemos julgar outrém, assim como a relação de ambos não deve ser julgada. Ensina-me a Viver é ainda um filme divertido (ao ponto de soltarmesmo uma gargalhada), com um dedo de humor subtil e absurdo na boa tradição britânica, principalmente com os gags hilariantes de Harold a simular imolações e hara kiris, com o objectivo de espantar as namoradas que a sua mãe lhe impinge.
Bud Cort, que ficou para sempre ligado a esta personagem bizarra, e Ruth Gordon partilham ainda uma química mágica, que faz inveja a muitos dos casais da maioria das comédias românticas da actualidade. Um choque de duas gerações, com um trabalho fenomenal na construção desta obra-prima de Hal Ashby (um homem que ao editar o concerto dos Rolling Stones, Let’s Spend The Night Together, comprovou que só podia ser uma óptima pessoa) e cuja banda-sonora de Cat Stevens só ajudou a densificar o culto. Ensina-me a Viver é uma lição de bom cinema para todos os cineastas: um filme descontraído e bem-disposto sem deixar de ser pertinente e acutilante; diálogos inteligentes e poéticos; e um filme que apesar de extremamente curto, não deixa nada por dizer. Por tudo isto, Royale With Cheese – a maior história de amor do cinema.
Título: Harold and Maude
Realizador: Hal Ashby
Ano: 1971