É impressionante como se continua a vender a ideia de que a colonização portuguesa foi… diferente, de forma a justificar o injustificável. Por isso, A Ilha dos Cães era, logo à partida, um excelente ponto para nos debruçarmos sobre isso, até porque o cinema nacional continua a prestar pouca atenção à sua história recente.
A Ilha dos Cães recorre ao fantástico (e não lhe faltam os códigos do género, incluindo mortes e gore, sexo mais ou menos gratuito) para reflectir sobre a colonização portuguesa em Angola, numa ilha que, em tempos, fora uma prisão e que agora foi comprada por uns investidores cheios de papel para a transformarem num resort de luxo. Para isso, é preciso expulsar os pescadores que ainda lá vivem, mas há duas coisas que o impedem, a saber: a) o facto de alguns deles o recusarem fazer, não aceitando as indemnizações; e b) os cães selvagens que povoam a ilha e que, além de lhe darem nome, vão matando umas pessoas de quando em vez.
Miguel Hurst viaja então da capital, Luanda, para a Ilha dos Cães para resolver os problemas, colocando em duelo pela enésima vez a dicotomia cidade vs campo, que vêm já, sei lá, desde os tempos do Aurora? Ah, esqueci-me de dizer também que os cães selvagens podem ser – ou não – liderados por um cão mágico, maligno e feroz, o que atira A Ilha dos Cães para o campo do realismo mágico. Normalmente, nestas situações refere-se sempre o nome de Apichatpong Weerasethakul, mas a referência certa aqui é a de Mia Couto (e por falar no realismo mágico africano do autor lusófono, não há como não referir O Último Voo do Flamingo, filme falhado mas com excelentes ideias, que pisa os mesmos territórios).
A Ilha dos Cães passa-se então em duas realidades temporais. Enquanto a do presente trata dessa questão do resort, a do passado recua ao tempo da colonização (onde encontramos Nicolau Breyner, no seu último papel, a fazer de tirano esclavagista) e que tenta explicar (ou não) a existência de um monstro na ilha. E é isso que faz A Ilha dos Cães transformar-se num filme de criatura no final, às vezes bem mais gráfico do que estávamos à espera num filme português. O realizador Jorge Augusto, que tira uma fotografia impecável de África, está bem ciente das limitações do filme e é isso que permite a Ilha dos Cães não se afundar em presunçosidades. Não é incrível, mas o seu Double Cheeseburger está cheio de boas ideias.Título: A Ilha dos Cães
Realizador: Jorge António
Ano: 2017