Josef Stalin, que liderou os destinos do Partido Comunista Soviético e da própria União Soviética durante mais de 30 anos, foi um dos mais tiranos líderes mundiais, que contrapôs ao desenvolvimento do seu país um regime de opressão, expurgo e mortes sumárias extremamente violento. O temor que a sua própria figura emanava era tal que, quando colapsou no seu quarto com um derrame cerebral, ninguém o acudiu porque as suas ordens tinham sido para não ser perturbado sob quaisquer circunstâncias. E muitas horas depois, quando alguém teve a coragem para espreitar o que se passava para justificar a ausência do líder e o encontraram semi-inconsciente numa poça de urina, nem sequer foi possível chamar um médico, porque todos os catedráticos em medicina de Moscovo tinham sido acusados de espionagem e sido presos uns dias antes.
É a partir deste nível de paranóia que Armando Iannucci monta esta espécie de farsa sobre os últimos dias do estalinismo, numa comédia com tanto de costumes como de screwball. O realizador escocês sabe bem que os meandros da política são território fértil para o humor (alguém mencionou o Veep ou The Thick of It?) e, recorrendo à nobre tradição britânica (sempre com os Monty Pythons como figuras tutelares, até porque há o próprio Michael Palin no elenco, mas nunca de forma tão absurda), ferra o dente a um dos episódios fulcrais da história recente da Europa e do mundo ocidental e, qual pitbull raivoso, não o deixa escapar mais até o ter deixado no chão inanimado e bem analisado.
Iannucci dá corpo e personalidade a vários nomes que estamos habituados a ver apenas como legendas nas fotos dos livros de História – de Nikita Khrushchev a Leonid Brejnev, passando por Beria ou Molotov, por exemplo -, dando corpo e alma a uma história que ganha assim nova relevância e interesse junto do espectador comum, que não tem o mínimo interesse por História, pelo comunismo ou por política (porque a maioria das pessoas continua a lançar aquela máxima do política não é bem a minha cena, como se esta fosse dissociável da nossa vida). E à medida que o jogo político nos bastidores pela sucessão de Estaline começa a tecer as suas teias de influências e interesses, A Morte de Estaline ganha interesse redobrado.
Mas é no humor – especialmente na sátira inteligente e nos jogos de engano – que reside a essência de A Morte de Estaline e, aqui, o filme assume-se mesmo como uma das grandes comédias destes últimos tempos (deste século?). Porque não satiriza apenas um episódio específico, mas toda a política em geral; porque não faz graçolas sobre a morte, a tortura ou a violação, mas porque sabe rir-se dessas situações; e porque não ridiculariza as figuras envolvidas, mas sim as situações em que se envolveram.
Podemos colocar A Morte de Estaline ao lado de Uma Entrevista de Loucos como os dois filmes que, em pleno século XXI, foram banidos pelos países que satirizam. No entanto, vamos evitar comparações. Colocar este McRoyal Deluxe ao lado do filme de Seth Rogen e James Franco é como comparar o cu com a feira de Castro Verde.
Título: The Death of Stalin
Realizador: Armando Iannucci
Ano: 2017