Não foi a primeira vez que Wes Anderson experimentou o cinema de animação. E, tal como em O Fantástico Senhor Raposo, também Ilha dos Cães é um filme em stop motion, que nem por isso deixa de ter todas as marcas do seu cinema anterior. Só admira é que o seu nome não se tenha tornado já um adjectivo e numa medida para se qualificar determinados filmes – uma espécie de cinema wesandersiano -, com um formalismo muito rígido e um estilo meio kitsch, meio retro, que é acima de tudo nostálgico.
Para Ilha dos Cães, Wes Anderson cria um universo quase novo, baseado livremente no Japão, mas que não é objectivamente o Japão. Basicamente, é o mesmo que fez com Grand Budapest Hotel e a sua visão da Mittleuropa, que não é propriamente a Mittleuropa. No fundo, é como Wes Anderson vê e entende o Japão e não tanto como o Japão real em si. Por isso, será um erro achar que Ilha dos Cães possa ser um filme de samurais, mesmo que aja na banda-sonora a theme song de Os Sete Samurais.
Também se podia falar da influência do mestre Hayao Miyazaki, mas isso seria apenas preguiça, por ser simplesmente o único japonês que faz desenhos-animados que conhecemos. Como alguém disse algures, o cinema de Wes Anderson é demasiado calculista para poder ser comparado com as empáticas histórias de Miyazaki.
Ilha dos Cães, cujo título em inglês faz um jogo fonético com I love dogs, passa-se então num futuro hipotético e ligeiramente distópico, onde uma conspiração felina(!) atirou os cães todos para uma espécie de ilha-prisão. O pretexto é uma gripe dos cães, para a qual ninguém parece conseguir (ou querer) encontrar cura. No entanto, quando o sobrinho adoptado do déspota local, Atari (Koyu Rankin), invade a ilha num avião roubado para tentar encontrar o seu cão, os canídeos vão-se organizar e revoltar-se contra aquele apartheid.
O filme pode ser facilmente acusado de apropriação cultural, pela forma gratuita com que Wes Anderson cruza a língua japonesa (nem sempre traduzida ou legendada), haikus e outras coisas que associamos automaticamente ao país do Sol Nascente (ficando só a faltar o kung fu), mas é preferível vê-lo como liberdade artística. É que se não fosse esse ambiente e essa atmosfera, Ilha dos Cães não tinha metade do interesse, uma vez que o argumento não só é sustentado por arquétipos, como é bastante frágil na base. Quantas vezes já vimos esta história de irmãos desconhecidos reencontrados, o regresso do filho pródigo e a revolta dos injustiçados?
É certo que um mau filme de Wes Anderson continua a ser melhor do que o melhor filme de muito boa gente que por aí anda e que todas as semanas têm filmes a estrear nas salas, até porque é difícil dizer mal de um filme que tem um elenco de luxo (mesmo quando são só as vozes), que inclui Jeff Goldblum, Harvey Keitel, Bryan Cranston e até Yoko Ono. No entanto, já o vimos fazer bem melhor isto. Mas é sempre um prazer ver aquele stop motion nostálgico, o formalismo resgatado a Kubrick e transformado em kitsch e todo aquele estilo de casa da avó, que transportado para a animação faz lembrar cuidados diaporamas. É impossível resistir ao McBacon.
Título: Isle of Dogs
Realizador: Wes Anderson
Ano: 2018