Apesar de se ter especializado em westerns (e de ser quase sempre recordado como o maior autor de filmes de cowboys do outro lado do Atlântico), um dos melhores trabalhos de John Ford nada tem de cauboiadas. As Vinhas da Ira foi a sua adaptação ao grande ecrã do romance homónimo de John Steinbeck, uma obra-prima que, à partida, parecia ser um erro de casting. É que Ford, tão habituado aos valores da nação, não parecia ter unhas para uma história tão social e politicamente comprometida.
As Vinhas da Ira é o retrato mais cru da Grande Depressão, a crise financeira que atingiu os Estados Unidos em 1929. Tão cru e visceral que é quase como uma faca a penetrar devagarinho debaixo da pele. O livro de Steinbeck é mais realista do que o idealista John Ford, mas este compensa com uma espessa dose de nostalgia e alguma esperança, que nos permitem continuar sempre com os protagonistas sem ter o coração apertado.
Os protagonistas são então a família Joad, liderados pelo filho Tom (fantástico Henry Fonda), que logo no início do filme conhecemos no seu regresso a casa, depois de 4 anos na prisão. Podia ser o regresso do filho pródigo, mas a realidade é bem mais negra. Qual tragédia grega, Tom descobre que a sua família – à semelhança de tantas outras – foi expulsa da sua terra pelo banco e está de partida para a Califórnia. No entanto, se a viagem é complicada (é difícil atravessar o deserto numa carripana sem dinheiro), a chegada é ainda pior, já que a terra prometida afinal é apenas mais um buraco, onde o desemprego e a miséria coabitam a cada esquina.
Entre o road movie e o drama familiar hiper-realista (lembramo-nos amiúde de A Estrada pelo aspecto miserabilista), As Vinhas da Ira é um noir onde as sombras são quase uma personagem, e que tem uma fotografia de se tirar o chapéu, em que consta que John Ford nunca utilizou luz artificial nos exteriores. Isso faz com que a cenografia do filme seja de um preto e branco contrastante, que lembra outros bons exemplos do noir (olá Zombie, olá A Sombra Do Caçador, olá A Pantera). Tudo boas comparações para se fazer a este Le Big Mac, um dos mais saborosos de John Ford.
Título: The Grapes Of Wrath
Realizador: John Ford
Ano: 1940