A linha de montagem da Marvel continua imparável e não há nada que lhe escape ao ímpeto autofágica. Desta vez é Venom, o vilão do Homem-Aranha que ganha aqui autonomia e um filme próprio, em registo de anti-herói, num tomo independente do restante universo Marvel. Ou seja, um filme claramente para capitalizar a galinha dos ovos de ouro, leia-se filmes de heróis, e para ir buscar Tom Hardy, actor em estado de graça, à DC, onde foi o vilão do Batman, Bane.
O último filme secundário da Marvel até correu bem e superou todas as expectativas. Aliás, foi precisamente esse o trunfo de Homem-Formiga. O facto de ser um herói menor, no pun intended, e de ninguém estar à espera propriamente de nada grandioso dali, fez de Homem-Formiga um dos melhores filmes de super-heróis desse universo, altamente despretensioso e longe dos pastelões sisudos que se têm tornado norma. Venom poderia ter ido por este caminho. Mas não foi.
No fundo, Venom é uma variação menor do Homem-Aranha, mas mais poderoso e uma noção moral mais… duvidosa. Eddie Brock (Tom Hardy), que se tornará em Venom graças a um parasita do espaço com personalidade própria (e algo insolente), é uma espécie de loser como Peter Parker, que também tem sempre uma tirada espirituosa na ponta da língua para se defender dessa humilhação e insegurança. Essa sua fraqueza é, ao mesmo tempo, o seu maior charme, que faz com que Michelle Williams nunca deixe de o amar verdadeiramente.
Venom aguenta-se durante a primeira metade, com mais ou menos dificuldade, mas à medida que a trama adensa-se (e nem sequer é coisa muito complicada: Drake (Riz Ahmed) é o CEO de uma empresa que procura descobertas revolucionárias no campo da ciência e da medicina através de práticas éticas e morais condenáveis), as fundações frágeis do filme começam a soçobrar. Isso deve-se a dois factores: a uma base construída com paus e colados com cuspo; e, especialmente, a buracos no argumento do tamanho da desonestidade intelectual do Donald Trump.
Como se isto não bastasse, Venom desemboca ainda naquela masturbação digital que faz parecer um jogo de computador e para a qual não há paciência. É uma altura em que já não estamos sequer a ver um filme, mas antes as capacidades da manipulação CGI dos responsáveis pelos efeitos-especiais. É altura para pousarmos o Happy Meal e irmos brincar com o brinde que vem na caixa. Ou então, passar ao filme seguinte.
PS – e eu, que não sou nada fã do Tom Hardy e até o acho um dos maiores flops de Hollywood (tipo aqueles gajos que vêm por milhões para o Benfica ou para o Porto e depois descobre-se que têm dois tijolos em vez de pés), quase que faço as pazes com ele aqui. Nada mau, hein?
PS2 – há a habitual cena pós-créditos (antecipa-se um Woody Harrelson com problemas capilares na sequela), mas existe também uma cena pós-pós-créditos. É uma curta-metragem em animação, com o(s) Homem(s)-Aranha(s), que vale mais que o Venom todo.Título: Venom
Realizador: Ruben Fleischer
Ano: 2018