Apesar de não ter sido assim há tanto tempo, existe já um número considerável de filmes sobre o 11 de Setembro. E, de todos eles, o melhor continua a ser Voo 93, sobre o avião que não atingiu o alvo devido à intervenção dos passageiros. E, na luta, estava, por exemplo, um realizador bem comprometido com o cinema politicamente mais engajado (olá Oliver Stone).
Por isso, se havia realizador com crédito para pegar no ataque de Anders Breivik à ilha de Utoya (e não só) era precisamente Paul Greengrass. Assim, se tivesse que apostar entre este 22 de Julho, produção Netflix, ou Utoya, 22 de Julho, o filme norueguês sobre o mesmo caso que chegou quase simultaneamente às salas de cinema, eu poria todas as minhas fichas no primeiro.
Breivik foi um maluco de extrema-direita que, em 2011, depois de deixar uma bomba em Oslo, foi de barco para a ilha de Utoya, onde estava uma remessa de jovens num campo de férias, e disparou indiscriminadamente, em nome de sabe-se lá o que vai na cabeça desses carecas. No final, 77 mortos, um país traumatizado e, sabe-se agora melhor, com o devido distanciamento temporal, a primeira grande racha no sonho europeu. 22 de Julho não pretende ser propriamente sobre o ataque – até porque o despacha logo nos primeiros 20 minutos -, mas sobre o que ele significou.
Assim, o filme desenrola-se em três frentes: a do próprio Breivik (interpretado por Anders Danielsen Lie) e do seu julgamento; a do jovem Viljar (Jonas Strand Gravli), que sobreviveu a dois tiros e a uma bala alojada na cabeça; e a do advogado de defesa (Jon Øigarden), escolhido pelo próprio terrorista. No fundo, são três perspectivas da mesma história, em que cada personagem representa um colectivo. A de Breivik simboliza toda a ascensão da extrema-direita, do nacionalismo e do discurso de ódio na Europa; a de Viljar simboliza todas as vítimas directas e indirectas; e a do advogado simboliza todas as autoridades que não souberem conter, identificar e evitar aquela ameaça.
22 de Julho tenta ser o mais fiel possível à realidade e, por isso, não há propriamente qualquer dramatização do caso. Greengrass confia demasiado de que o ataque é suficiente para montar um filme, mas se é verdade que o é para um daqueles casos da vida dos quais os telefilmes são pródigos, para cinema é claramente curto. O que não deixa de ser ingrato, pois pegar num caso real com a gravidade deste e dar-lhe liberdade criativa será sempre arriscado, ainda para mais perante a tamanha proximidade temporal.
Além disso, Greengrass nunca vai além da simples ilustração das imagens, não se afastando da escala televisiva. O que não deixa de ser irónico, sendo esta uma produção do Netflix, cadeia de streaming que se tem destacado precisamente por se libertar das amarras limitadoras do pequeno ecrã. Além disso, o realizador também não aproveita nada o facto de estar a filmar na Noruega – e sim, este é um filme na Noruega em que todos falam inglês -, salvo um breve trecho dramático com uma mota de neve.
Por isso, se Paul Greengrass tinha crédito para adaptar o caso real da ilha de Utoya, esgotou-o todinho em 22 de Julho. E, ao mesmo tempo, pensamos se não terá sido demasiado cedo ou se era mesmo necessário fazer um filme disso. Tendo em conta que, por princípio, acho que não devem existir tabus na arte, não consigo olhar para 22 de Julho como mais do que um Happy Meal.
Título: 22 July
Realizador: Paul Greengrass
Ano: 2018