No futuro, sobretudo após a sua morte, Lars Von Trier irá ser, certamente, muito estudado e comentado. É que o realizador dinamarquês trabalha (cada vez mais) a partir de metáforas, que vai explorando de filme para filme de forma cada vez mais profunda. Por isso, como diz o Comendador Chico, é como se toda a sua carreira se confundisse para este momento que é A Casa de Jack. E, provavelmente, isso repetir-se-á no seu próximo filme.
Em A Casa de Jack, Lars Von Trier volta a debruçar-se sobre as suas temáticas favoritas: a violência, a natureza maldosa da Humanidade ou uma certa feminilidade. E, como nunca o fez antes, a auto-biografia. Existem aqui meta-referências à sua vida, como as acusações de misoginia ou as polémica declarações em Cannes em que afirmou entender Hitler(?), e até citações aos seus próprios filmes, o que disto uma ego-trip que roça o doentio. É quase como gostar dos próprios posts no facebook.
Lars Von Trier mergulha na mente dum serial killer (Matt Dillon) obsessivo-compulsivo e com paranóia com as limpezas, ao longo de um frenesim de sangue como um furão numa capoeira, que serve para falar de arte e colocar o assassino em diálogo com o artista, a criação e a destruição. São coisas opostas ou exactamente o mesmo? É provocação ou o dinamarquês acredita mesmo nisso? Tendo em conta o humor negro em variados momentos do filme, somos levados a crer que o realizador se diverte em perturbar-nos, como a criança que se recusa a crescer e continua a torturar animais (depois do burro em Manderlay, é a vez de um pobre pato ser mutilado em nome da arte).
E por falar em mutilação, nunca Lars Von Trier foi tão gráfico como aqui. E sim, estou a considerar Anticristo. Em A Casa de Jack há mutilação feminina, crianças abatidas e mais uma série de atrocidades indescritíveis. Uma galeria grotesca e quem defende que o cinema (e a arte) não têm limites. E lá regressamos nós à metáfora do assassino e da arte e da destruição e criação.
Paralelamente a isso, o filme fala com o espectador através do diálogo que serial killr mantem com Verge (Bruno Ganz), o barqueiro de Dante que está prestes a leva-lo para o inferno. É aqui que acontece a melhor parte de A Casa de Jack. Com o diálogo de ambos em off, Lars Von Trier reflecte sobre estas coisas sob um excelente trabalho de edição, de obras de arte clássicas, clips do Glenn Gould a tocar piano, referência directa ao vídeo do Subterranean Homesick Blues do Bob Dylan, fragmentos de animação e found footage. Paradoxalmente, é também quando o filme tem menos interesse, porque todas as suas referências parecem demasiado óbvias e preguiçosas. Um filme sobre o inferno com referências a Dante e a Goethe? Uau, que original, nunca o vimos antes… desta semana.
É precisamente essa a ideia geral de A Casa de Jack. Um filme que tanto deslumbra como repele com igual vigor, ao mesmo tempo que no faz reflectir, mas dá-nos metáforas tão básicas que são quase clichés. Um filme que, em Cannes, levou a que dezenas de pessoas abandonassem a sala a meio e, no final, recebeu uma ovação de 6 minutos. Um filme que, portanto, só poderia terminar aqui com um Double Cheeseburger.
Título: The House That Jack Built
Realizador: Lars Von Trier
Ano: 2018