Os anos 80 foram uma década de grande euforia capitalista, especialmente do outro lado do Atlântico. Era mais ou menos como o empreendedorismo dos dias de hoje, mas numa conjuntura financeira favorável. O cinema de Hollywood dessa altura está cheio de yuppies e reflecte bem esse tempo. No entanto, enquanto eles são na maioria dos casos investidores da bolsa em Wall Street, o Tom Cruise de Encontro de Irmãos é antes um espertalhãao e fura-vidas que negoceia automóveis de alta cilindrada sem grande ética.
Essa sede de dinheiro, poder e estatuto fazem de Tom Cruise um tipo de qual, provavelmente, não seríamos amigos: egoísta, egocêntrico e insensível. Filmes como O Lobo de Wall Street dissecaram bem como a ânsia por dinheiro fácil, nos anos 80, moldou muito boa gente de bem. Por isso, quando o pai com quem não falava morre e Cruise descobre que tem um irmão autista (Dustin Hoffman) de quem nunca tinha ouvido falar, vai reagir com grande ressentimento, frieza e distanciamento. Não por se sentir enganado, mas porque o irmão é que herdou a fortuna toda do pai e não ele.
A aproximação dos dois manos vai então começar por dar-se pelo interesse que o primeiro tem pelos milhões herdados do segundo. E, claro, antes de começar já sabemos como vai terminar. Encontro de Irmãos é a história da reaproximação de dois irmãos separados quando eram muito novos, com o baixar da guarda do primeiro a coincidir com a empatia que nasce gradualmente entre ambos.
O plot twist aqui é que Dustin Hoffman é autista, vivendo no seu próprio mundo, com rotinas especiais – a maioria delas envolvendo a televisão ou o famoso número de Abbott e Costello, Who’s on first –, e uma capacidade prodigiosa para a memória fotográfica e o cálculo matemático que compensam as lacunas sociais. Essas características também os vão levar a um serão glorioso no blackjack em Las Vegas, num momento de redenção, que juntará os irmãos de vez e libertará Tom Cruise das dívidas contraídas.
Encontro de Irmãos é assim um drama assumido, mas que não enche como um peixe-balão até rebentar. Dustin Hoffman segue a máxima de Hollywood no que diz respeito a papeis de deficientes mentais e não vai fully retard, tendo sacado o Oscar desse ano para melhor actor inclusivamente. A única excepção é Valeria Golino, a namorada de Tom Cruise, demasiado boazinha a cumprir todas as tarefas expectáveis do seu papel e a limitar-se a ser um enorme cliché com pernas.
Barry Levinson, que construiu uma carreira entre o cinema clássico norte-americano e o tarefeirismo da indústria (e isto é um elogio), não se limita a ilustrar uma história que poderia ser facilmente reduzida a faca e alguidar. Sinal disso é a forma como proibiu Hans Zimmer – que se estreava aqui nas bandas-sonoras – a utilizar cordas nas composições, de forma a evitar sentimentalismos em excesso. Encontro de Irmãos é então um McRoyal Deluxe daquele tempo em que Hollywoo conseguia contar histórias sérias e adultas de forma escorreita e com savoir faire.
Título: Rain Man
Realizador: Barry Levinson
Ano: 1988