A profissão de advogado é, provavelmente, a mais mal-tratada de todo o cinema. No entanto, nenhum filme leva a tarefa tão a fundo quanto O Advogado do Diabo, que mete um jovem Keannu Reeves (a fazer de jovem Tom Cruise) a ser, literalmente, o advogado do Diabo(!).
Obviamente que O Advogado do Diabo é a enésima alegoria da clássica luta do Bem contra o Mal, em que a advocacia é apenas uma metáfora para reflectir sobre a ética e a integridade do ser humano, assim como a dicotomia entre destino e livre arbítrio. Infelizmente, tudo isso tende a ser demasiado ilustrativo, não fossemos nós não entender as entrelinhas, acabando por cair, por vezes, no cartunesco (e em diálogos como: o Anticristo? Whatever!).
Keannu Reeves é então um promissor e jovem advogado, da periferia, que nunca perdeu um caso. A sua reputação chama a atenção de Al Pacino, que o contrata a peso de outro para a sua multinacional. É um daqueles papeis que o jovem Tom Cruise fazia com uma perna às costas: yuppies ambiciosos e cheios de energia. E nem é preciso referir as semelhanças com o inevitável A Firma.
Apesar dos avisos da mãe (Judith Ivey), devota fervorosa da palavra de Deus, Keannu Reeves muda-se para a pérfida Babilónia, leia-se Nova Iorque, terra da tentação. Com ele vai a sua esposa., a muito fresquinha Charlize Theron, que mais tarde se h+a de mostrar toda nuazinha e mutilada como um cristo, numa cena de grande impacto numa igreja. Com o dinheiro que agora ganham, Theron não necessita mais de trabalhar e pode dedicar-se a coisas tão importantes quanto mobilar a casa ou a coscuvelhice com as vizinhas.
Mas a mudança, o isolamento, um corte de cabelo traumatizante e, claro, o paranormal maléfico do apartamento de cima onde vive Al Pacino (seré ele mesmo Satã ou o capitalismo feroz é que é o mail maldoso de todos?) começam a leva-la lentamente para a loucura. O Advogado do Diabo entra então no thriller psicológico e, numa espécie de A Semente do Diabo, ganha uma nova camada de leitura.
É nestas alturas, em que se movimenta pelos caminhos da sugestão – com muita simbologia dantesca e a exploração dos pecados capitais pelos olhos do grande capital -, que o filme de Taylor Hackford sabe melhor. Mas o realizador não se furta depois a meter o pé no camp, indo longe demais nos seus intuitos. E aqui, para ir longe de mais, já havia o overacting de Pacino. O curioso é que isso não fica propriamente mal ao filme. O Advogado do Diabo é um daqueles filmes que Hollywood fazia sem dificuldade, cruzando seriedade com entretenimento mas preguiçoso em doses iguais e que hoje, visto à distância, sabe ligeiramente a guilty pleasure. Ou seja, a McRoyal Deluxe.
Título: The Devil’s Advocate
Realizador: Taylor Hackford
Ano: 1997