Mick Jagger sempre teve o desejo de se tornar actor. Felizmente, também teve o bom-senso de perceber que isso não iria acontecer e, salvo uma ou outra tentativa, nunca forçou realmente a coisa. A excepção foi, portanto, no final dos anos 60, quando pôs os Rolling Stones numa pausa e fez dois filmes seguidos: o filme de culto Performance e este Ned Kelly, que foi, inclusive, a razão pela qual os Stones não tocaram em Woodstock.
Enquanto a história da música e da cultura pop se escrevia em Woodstock, Jagger estava então na Austrália para filmar a enésima adaptação cinematográfica da história de Ned Kelly (a última foi em 2003, com Heath Ledger), o ícone local que continua a dividir opiniões. Uns consideram-no um herói injustiçado e uma inspiração de insubordinação contra os poderes instituídos; outros acusam-no de glorificar os fora-da-lei e toda uma vida de bandagem. Ou seja, Ned Kelly é o Boonie e Clyde da Austrália.
Se está à espera de ver Ned Kelly para tirar uma conclusão do que pensar disso, pode tirar o cavalinho da chuva. Não é aqui que vai encontrar respostas a essas questões. Aliás, parece que o realizador Tony Richardson nem sequer tentou. Ned Kelly dá a impressão que toda a gente tinha coisas planeadas para fazer e que estavam todos com pressa de acabarem o filme. Este é só um aglomerado de cenas em ordem cronológica, sem um arco narrativo digno desse nome, em que os episódios se vão sucedendo.
A colonização australiana faz o faroeste norte-americano parecer um retiro de férias. Este foi um país fundado por bandidos e prisioneiros enviados da Inglaterra e, por isso, o seu ícone maior só podia ter sido um fora-da-lei: Ned Kelly (Mick Jagger, claro), depois de ter cumprido uma pena desproporcionalmente pesada para um crime que supostamente não cometeu, vê-se subjugado pelo poder dos latifundiários da zona e revolta-se. Ned Kelly é assim um western, com todos os símbolos que identificamos ao género, mas mais próximo dos spaghettis do que dos clássicos americanos. pela sua violência e pelo ambiente inesperadamente negro e seco.
Tony Richardson faz ainda de Ned Kelly uma balada ao (anti)herói australiano, convocando Waylon Jennings para fazer a banda-sonora. Mick Jagger, talvez alertado para a carreira cinematográfica de Elvis Presley, apenas interpreta o Wild Colonial Boy, como que a dizrr-nos que está ali para representar e não para nos entreter com cantorias. Para isso, há os Rolling Stones. O problema é que Jagger não sabe representar e, apesar do seu ar andrógino que, em palco e nas fotos lhe dá um ar intimidador, não tem nenhuma pinta de mauzão. Por isso, nas cenas de porrada (porque Ned Kelly era um irlandês bêbado e brigão) ou quando se põe a correr, vemos que está claramente desconfortável naquele papel e cai por terra qualquer suspensão da descrença.
Por causa dessa estrutura musical, lembramo-nos inevitavelmente de Duelo na Poeira. E há que ser dito: Ranchin’ in the evenin’ é a melhor canção da carreira de Waylon Jennings. Por isso, apesar de ser um filme falhado, há muita coisa em Ned Kelly que vale a pena perder hora e meia da nossa vida, enquanto comemos um Cheeseburger.
Título: Ned Kelly
Realizador: Tony Richardson
Ano: 1970